sexta-feira, 29 de outubro de 2010



Biko Disse:
A falta de bem materiais já é bastante ruim, mas unida à pobreza espiritual é mortífera.





Bikodisse: Conte-nos um pouco sobre sua trajetória educacional antes do ingresso no pré-vestibular Steve Biko.

Indira Nascimento: Eu sempre estudei em escola pública, fiz cursinho pré-vestibular, mas não fui até o fim porque era daqueles cursinhos com mais de 100 pessoas na sala, os assuntos eram corridos, logo percebi que estava jogando o meu dinheiro fora. O sistema desses cursinhos tradicionais é passar o conteúdo, não estão preocupados se você entendeu o assunto e ainda existia certa censura, tanto dos professores quanto dos alunos, a quem interrompesse a aula para tirar alguma dúvida. Então decidi sair e procurar outro cursinho para estudar.



Bikodisse: Quando e como começou sua história na Biko? Enfrentou alguma dificuldade para cursar as aulas? Qual (is)?

Indira Nascimento: Eu tenho um amigo que já conhecia a Biko, e conversando com ele sobre a minha vontade de prestar vestibular e fazer um cursinho preparatório, ele falou do Instituto, disse que era um pré-vestibular para negros e negras e que tinha um trabalho muito importante na luta pela inserção de estudantes nas universidades. Achei interessante e quando as inscrições foram abertas, eu e mais um grupo de amigos, decidimos fazer o processo seletivo. Detalhe que só eu passei na seleção, isso foi no ano de 1999 e a Biko funcionava nos Barris. Quem fez a minha entrevista foi Gelton e Carmen, nunca me esqueço. Eu estava nervosa e ansiosa para saber que cursinho era esse, que para cursá-lo precisaria passar por uma entrevistada antes. Mas, depois que entrei, entendi o por quê da entrevista, era um filtro para ver quem realmente tinha objetivo e determinação para adentrar a universidade, já que tinham poucas vagas disponíveis. Não tive nenhuma dificuldade para cursar o pré-vestibular, eu trabalhava e o meu salário dava pra pagar as mensalidades tranquilamente. Os professores eram excelentes e qualquer dúvida que tivesse em algum assunto era explicado pelos próprios professores, monitores e colegas de sala. Apesar de não passar dificuldades, via que a grande maioria dos meus colegas vendia lanches ou alguma coisa que gerasse renda para pagar as mensalidades e o transporte para freqüentarem as aulas. Outros, andavam longas distâncias para economizar a grana que tinham para uma cópia de algum material ou poupavam para pagar as inscrições dos vestibulares.


Bikodisse: É verdade que outros membros de sua família também estudaram na Biko? Esse é um bom índice para medir a qualidade das ações do ICSB? Quais principais mudanças você pode perceber em cada um deles após a Biko?

Indira Nascimento: Verdade. Depois que entrei na Biko eu incentivei os meus irmãos, cunhadas e amigos para cursarem o pré-vestibular. Todos que passaram pelo Instituto, em sua maioria, tiveram êxito. Inclusive meu irmão, Daniel, que está estudando nos Estados Unidos, na universidade Morehouse College. Ele foi um dos escolhidos para participar do intercâmbio pelo projeto do Oguntec e o menino está dando o maior orgulho, tanto para a família quanto para a Biko, pois já recebeu vários prêmios por seu alto desempenho acadêmico. Sempre falo que a Biko é muito mais que um pré-vestibular. Lá você aprende a ser cidadão, a ser negro e lutar por seus direitos e, acima de tudo, faz você se descobrir e saber que é capaz. Parafraseando uma música de Gil, digo que a Biko me deu régua e compasso para lutar contra o racismo em nossa sociedade. Você consegue perceber coisas que até então passavam despercebidas aos nossos olhos, como por exemplo, a discriminação a que estamos expostos cotidianamente. Por exemplo, falta de representatividade na mídia, na política, nas universidades, nos cargos de chefia em empresas etc. Pensar Steve Biko é pensar a desconstrução dos pensamentos impostos pelo sistema racista que tenta nos desestimular/diminuir diariamente a elevação de nossa autoestima; trabalhar pela coletividade; saber fazer e não esperar as coisas acontecerem; incomodar, persistir até conseguir e avançar sempre.



Bikodisse: Qual importância das aulas e atividades da disciplina CCN na elevação de sua autoestima e formação política?

Indira Nascimento: As aulas em geral e as atividades de CNN, foram fundamentais para entender como se dá o processo de exclusão da população negra. Aprendemos que não adianta lutarmos individualmente, a luta deve e tem que ser coletiva! Porque só assim temos força. Uma coisa que me marcou muito foi as histórias individuais dos meus colegas. Todos tinham um histórico de vida “pesado”, com dificuldades diversas, mas todos queriam mudar suas histórias e estavam ali para transformar suas vidas. A força de vontade dos estudantes era impressionante, muitos tinham concluído o 2º grau há anos e sentiam dificuldade de acompanhar as aulas, mas a união era tão grande que quem dominava mais um assunto chegava mais cedo durante a semana e aos finais de semana nos encontrávamos para fazer exercícios e tirar dúvidas. Acho que isso é o diferencial da Biko, ali ninguém era concorrente de ninguém, todos estavam em busca de um objetivo; passar no vestibular, e apesar das dificuldades individuais, este sonho viraria realidade.



Bikodisse: Quais os principais motivos para a escolha do seu curso de graduação?



Indira Nascimento: Eu sempre gostei de ter uma visão geral de tudo que eu faço. Então decidi prestar vestibular para Administração na Cairu. Já tinha cursado administração no nível técnico. Como, na época, o curso tinha várias habilitações, decidi pelo marketing, porque não achava as outras áreas interessantes, e graças a Deus eu acertei, porque me sinto realizada trabalhando na área.





Bikodisse: Você fez uma especialização na área de marketing? Qual importância desse curso? O trabalho de conclusão foi sobre a ”área” de comunicação da Biko?

Indira Nascimento: Eu sou graduada em Administração com Habilitação em Marketing e a minha especialização foi em Gestão da Comunicação Organizacional pela Escola de Administração da UFBA. Busquei este curso para conhecer mais as ferramentas de comunicação utilizadas pelo Marketing. Apesar das pessoas acharem que o marketing e a comunicação são a mesma coisa, elas são áreas distintas. O marketing é muito mais gestão, muito mais estratégico do que comunicação, que é a última etapa do processo; a divulgação final de um produto ou serviço. O meu objeto de estudo foi a comunicação do Instituto Cultural Steve Biko, mais precisamente o “Correio Nagô”. A Biko é conhecida por uma rede muito particular, por pessoas que estão nos movimentos sociais, fora deste meio o instituto não era muito conhecido. Isso ficou evidente nas entrevistas que foram feitas com os membros da Instituição. Todos disseram que conheceram a Biko através de conversas, na oralidade, uma característica muito forte dos nossos ancestrais. Isso me deu um trabalho... Porque existe pouquíssimo material escrito sobre o “Correio Nagô”. Mas, com muita pesquisa encontrei alguns artigos e consegui escrever sobre o tema.



Bikodisse: A sua atuação profissional é influenciada pela Biko e as aulas de CCN? Você acredita que ter passado por esse processo faz com que tenha um diferencial em relação a outros profissionais da mesma área?

Indira Nascimento: Claro, na minha conduta profissional eu sempre procuro pôr em prática o que aprendo ao longo da minha vida e com os ensinamentos da Biko não foi diferente. Hoje eu coordeno um departamento e tenho o poder de escolher as pessoas com quem trabalho e os projetos que posso apoiar, sempre buscando ver com um olhar negro as atividades desempenhadas na área em que atuo. Passei por uma situação interessante para um processo de seleção para a vaga de estágio no departamento. Nesta área, primeiro a gente verifica o portfólio, pra quem não sabe, portólio são os trabalhos desenvolvidos pelo profissional que trabalha como designer gráfico (cartaz, banner, cartão etc.). Selecionei alguns currículos e entrevistei 3 estudantes. Um tinha muita experiência e, pelo tipo de trabalho, sabia que não ficaria por muito tempo, então escolhi o que nunca tinha trabalhado, mas percebi que ele tinha potencial para a vaga. Ele é negro e tem um cabelo Black. Depois de algum tempo, ele me disse que estava morrendo de medo de estagiar, pois tinha receio que, ao passar pela seleção, fosse solicitado que ele cortasse o cabelo. Ainda brinquei com ele dizendo: - Como assim, pedir para você cortar o seu cabelo, se você só passou por causa dele?! Rsrsrs. Fiquei trabalhando com ele por 1 ano e durante esse tempo percebi uma grande evolução em seus trabalhos. Agora ele está em outra empresa e é um excelente profissional, todos elogiam muito o trabalho dele, que inclusive, fez algumas peças para a Biko.



Bikodisse: Qual sua opinião sobre a presença d@S negr@s em peças publicitárias?

Indira Nascimento: Hoje em dia vemos que a figura d@ negr@ tem sido muito utilizada em campanhas publicitárias, propagandas etc. E, tenho certeza que isso vem sendo acontecendo graças à luta do Movimento Negro, de colocar sempre este assunto em pauta e outro ponto a ser analisado, é que o negro está tendo ascensão e com isso ele passar a ser um consumidor em potencial e as empresas estão de olho neste consumidor, procurando atrair este público para consumir os seus produtos. Um exemplo disso é uma propaganda que está sendo veiculada na televisão de uma loja de departamentos, em que 80% das pessoas que participam do comercial, são negras. É por acaso? Claro que não.



Bikodisse: Como se dá sua atuação no NUCOM-Biko? O que precisa melhorar? Quais avanços você tem percebido nos últimos anos?

Indira Nascimento: Eu sou voluntário da Biko já faz um tempo, aliás, entrei 1999 e estou até hoje! No NUCOM a dificuldade que eu percebo é que não tínhamos uma equipe para trabalhar com a comunicação, de forma contínua. A Biko trabalha com projetos e para mantê-los é preciso captar recursos. Ela precisa mostrar os resultados destas ações para atrair investidores, quer seja pessoa física ou jurídica. Sempre estou à disposição da Instituição, já escrevi alguns boletins informativos, estou sempre ajudando nos eventos como o Festival e o Bloco “Os Bikudos”. Fui coordenadora dos festejos de 15 anos da Instituição, quando trouxemos o filho de Steve Biko para uma Conferência etc. Tivemos um avanço com o PDI. Foi montada uma equipe durante 9 meses de projeto, mas ao fim, não tínhamos como manter a equipe e ela foi desfeita. Mas, agora conseguimos duas pessoas que trabalham na comunicação da Instituição e estão dando conta do recado. O Instituto Steve Biko está nas redes sociais (Orkut, Facebook, Twitter, Blog), tem alimentado o seu site, divulga boletins eletrônico e isso estão dando bons resultados na projeção das atividades desenvolvidas pelo Instituto na mídia e na internet. Eu faço votos que este trabalho continue. Parabéns pra George, Denise e Bete!!



Bikodisse: De que forma você contribui para a IES Steve Biko e como se vê nesse processo?

Indira Nascimento: Eu estou no processo desde a concepção do projeto. Participei do primeiro seminário e fizemos algumas reuniões com algumas lideranças para discutir sobre a Faculdade Biko, para que ela não seja apenas mais uma, risco que com certeza não corremos por causa histórico do Instituto. Tenho muito a contribuir, já que trabalho há 7 anos numa instituição de ensino superior, na área de marketing. A minha experiência vai ajudar e muito para que a IES Steve Biko tenha a projeção desejada por todos.

Um comentário:

  1. É isso aí bonita, vamos precisas de sua competência e desta energia positiva que você irradia.

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