quinta-feira, 20 de maio de 2010

Bikodisse Entrevista: Sheila Regina



Biko disse: “Ou você está vivo e orgulhoso ou você está morto. E quando está morto não se incomoda com nada.”


Na segunda edição do Bikudisse tivemos a brilhante participação de Sheila Regina. Ex-aluna do Pré-vestibular Steve Biko em 2001, e membro da coordenação do Projeto Oguntec. A nossa Jovem Cientista 2008, foi premiada por seu trabalho: 'OGUNTEC: uma experiência de ação afirmativa no fomento à iniciação científica', orientada pelo Prof. Abraão Felix.

Bikodisse: Você foi criada num bairro considerado violento (Paripe) e majoritariamente composto pela população negra. Conte-nos um pouco da sua infância e a dolescência.

Sheila Regina: Apesar de Paripe ser considerado um bairro muito violento, a minha infância foi tranquila. Minha mãe criou eu e o meu irmão praticamente sozinha, porque meu pai sempre trabalhou viajando e passava muito tempo longe da família. Estudei a minha vida toda em escola pública, porque meus pais não tinham condições de pagar uma escola particular para

mim e para o meu irmão. Meus pais não tiveram a oportunidade de terminar o ensino fundamental, mas eles queriam que eu e o meu irmão tivéssemos uma formação superior. Sempre gostei de estudar, tirava boas notas, enfim. Tudo o que sou, agradeço principalmente a Deus e aos meus pais, pois eles são a minha fortaleza.


Bikodisse: Como você conheceu o Instituto Steve Biko? Como ocorreu e ocorre a sua participação nele?

Sheila Regina: Conheci a Steve Biko através de uma professora num curso que fiz no Ceafro, comentei com essa professora que estava pensando em fazer um pré-vestibular, mas que não tinha dinheiro para pagar. Foi então que fiquei sabendo da existência da Steve Biko, achei uma ótima opção, porque era barato, e segundo ela, era um cursinho muito bom. Fiz o meu pré-vestibular na instituição em 2001 e atualmente, faço parte da coordenação Pedagógica do Programa Oguntec- programa de fomento à ciência para jovens negros e negras.




Bikodisse: Para aprovação no vestibular, a maioria das pessoas utiliza estratégias. Ter participado do grupo de estudos GERAR em 2001 foi a sua principal estratégia? O que você diz para os jovens que querem ingressar na universidade?

Sheila Regina: Ter participado do Gerar foi de suma importância para alcançar o meu objetivo, que era ser aprovada no vestibular, essa estratégia foi utilizada não só por mim, mas por todo o grupo. Passávamos a maior parte do tempo estudando, éramos muito disciplinados, um ajudando ao outro, todos com o mesmo objetivo. Criamos um laço tão forte como o de uma família, aliás, somos uma família.

Para os jovens que querem ingressar na universidade, eu diria que é fundamental serem disciplinados com os estudos e nunca se acomodar diante das dificuldades que eles irão encontrar pela frente.



Bikodisse: O que foi determinante na sua escolha pela graduação em estatística na UFBA?

Sheila Regina: Eu sempre gostei das disciplinas de cálculos, na escola tirava boas notas em matemática, física e química. Então, pensei em fazer matemática, mas queria algo mais aplicado, então escolhi estatística.


O Professor Abraão Felix ao lado de Sheila Regina


Bikodisse: Qual importância do Instituto Steve Biko na sua formação acadêmica e pessoal?

Sheila Regina: Não tenho palavras para descrever o que a Biko representa na minha vida.... A Biko teve e tem um papel fundamental na minha formação acadêmica e principalmente na minha auto-estima. Foi nesse Instituto que passei a conhecer mais sobre a minha ancestralidade, a luta da população negra para a superação das desigualdades, a pensar em projetos coletivos. A Biko me preparou para a vida, me ensinou como enfrentar o racismo cruel que existe em nossa sociedade, e além disso, eu conheci bons professores que contribuíram para melhorar minha base educacional a ponto de ter êxito no vestibular.

Bikodisse: Qual a linha de pesquisa do seu mestrado? Conte-nos um pouco dessa conquista.

Sheila Regina: Minha linha de pesquisa está ligada a área de educação. Estou estudando Aplicações de Modelos estatísticos em Avaliação Educacional. O mestrado está sendo muito difícil, tenho que “matar um leão por dia” para chegar ao meu objetivo, afinal de contras a Unicamp tem o segundo melhor curso de pós-graduação em estatística da America latina.

Bikodisse: O Instituto Steve Biko tem a visão de constituir-se numa Instituição de Ensino Superior (IES) em 2012. Como você se vê nesse processo?

Sheila Regina: Eu vejo esse processo como um marco na história da comunidade negra. Pois será a primeira instituição de ensino superior de referência no país em estudos voltado para o desenvolvimento educacional, político e tecnológico das comunidades afrodescendentes.

Bikodisse: Você participou da organização do CONECTAR. Como foi esse evento? E qual impacto ele teve para a comunidade negra?

Sheila Regina: Para mim, o Iº Congresso do Núcleo de Estudos em Ciências e Tecnologia André Rebouças – CONECTAR, teve um resultado muito positivo para a comunidade negra, pois foi a primeira vez que um grupo de estudantes negros se reuniu para organizar um evento, cujo tema central era: Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Sustentável e Inclusão Social. Durante o congresso foi discutida a democratização do acesso à "Ciência e Tecnologia" como elemento promotor de Inclusão Social para a população negra e a "Ciência e Tecnologia" como fator limitante de Desenvolvimento.


Bikodisse: Como as pessoas reagiram ao perceber que uma mulher, jovem e negra fora vencedora do prêmio jovens cientistas?

Sheila Regina: O prêmio Jovem

cientista teve uma repercussão muito importante na minha vida, as pessoas me paravam na rua e parabenizavam, foi uma experiência única.

Sinto-me muito feliz por ser a primeira mulher negra e baiana a ganhar o prêmio jovem cientista, e principalmente, por ver o reconhecimento do trabalho que a Steve Biko desenvolve. Eu costumo dizer, que esse prêmio não é meu, mas de um Instituto que a mais de quinze anos desenvolve ações efetiva de combate às desigualdades raciais.

Bikodisse: Você vem acumulando um conhecimento no campo da educação científica. O caminho para o desenvolvimento econômico do Brasil, seria o investimento maior na ciência?

Sheila Regina: Acredito que o investimento maior na ciência e tecnologia seja um fator importante para o desenvolvimento do Brasil. Quando eu falo em ciência e tecnologias, estou me referindo a uma ciência e tecnologia de acesso a todas as camadas sociais. E para que isso seja realmente possível, é necessário qualificar a educação pública, investindo na formação de professores, de modo que os estudantes negros, que na maioria estão nas escolas públicas, tenham maiores “possibilidades” de sucesso nos vestibulares, nas
carreiras científicas e tecnológicas. Também é necessário investir em programas como o Oguntec, cujo principal objetivo é possibilitar aos jovens uma preparação para uma melhor interação com os avanços científicos e tecnológicos da sociedade, sem descuidar do tratamento de elementos subjetivos como: o racismo e outras formas de iniquidades que têm impacto direto na auto estima dos estudantes.

Bikodisse: O que falta para existir uma política voltada para a popularização da ciência?

Sheila Regina: Falta interesse por parte dos governantes e uma política de estado, que ofereça uma educação de qualidade voltada para o ensino da ciência e tecnologia. Enquanto nos países de primeiro mundo a educação científica é incorporada ao currículo desde o ensino elementar, no Brasil, há um distanciamento entre o conhecimento científico e a educação pública. Esse contexto faz com que os jovens egressos das escolas públicas, majoritariamente negros, não almejem ingressar na área de ciência e tecnologia.

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