Biko disse: "A maior arma do opressor é a mente do oprimido".
Iniciamos o Bikodisse com Michel por considerá-lo um exemplo de como romper as correntes que tentam prender a comunidade negra numa servidão perpétua. Michel estréia a nossa coluna de entrevistas também devido à trajetória que tem de militância no movimento negro.
Jovem, negro, oriundo de bairro "periférico" e escola pública, encontrou na educação uma boa forma de ascensão político e social. Ele hoje faz o seu mestrado nos EUA, mas não esquece o vínculo formado com o Instituto Steve Biko. Esse é Michel, um bikudo que mesmo à distância tem contribuído para ações em prol da comunidade negra.
Jovem, negro, oriundo de bairro "periférico" e escola pública, encontrou na educação uma boa forma de ascensão político e social. Ele hoje faz o seu mestrado nos EUA, mas não esquece o vínculo formado com o Instituto Steve Biko. Esse é Michel, um bikudo que mesmo à distância tem contribuído para ações em prol da comunidade negra.
"Uma vez bikud@, sempre bikud@" é a frase utilizada para reafirmar a ligação com a Biko, de onde participou e participa.
Michel Chagas fez parte do POMPA (Projeto Mentes e Portas Abertas) e logo adquiriu o "DNA Bikudo", tornando-se o primeiro gestor do Instituto e representando a Biko em diversas ações como; "Campanha reaja ou será morto/morta", "Enjune", "CMCN - Conselho Municipal da Comunidade Negra", "Congresso de Negras e Negros", dentre outros.
O Nucom (Núcleo de Comunicação do Instituto Steve Biko) fez um rápido bate-papo para saber como foi a trajetória dele no Instituto, por onde anda, o que faz e quais são os seus planos para o futuro.
Com a palavra, Michel:
Bikodisse: O que é ser um jovem negro criado num bairro considerado violento (Santa Cruz)?
Michel Chagas: É um desafio.
Por um lado somos uma comunidade alegre, com opções de lazer, com compositores de muito sucesso que tocam nas rádios e envolvida com esportes como futebol e surf. Por outro lado, é muito difícil viver com a permanente repressão que tenta limitar os espaços que podemos estar. Ficamos próximo do Horto Florestal e muitos jovens gostavam de pegar frutas nesta região onde a policia e seguranças privados muitas vezes nos tratavam com agressões. Esta mesma situação se repetia e se repete até hoje no Parque da Cidade. Somos uma comunidade bonita e talentosa, mas com muitas armadilhas e obstáculos para superar.
Bikodisse: Como você conheceu o Instituto Steve Biko? Como ocorreu/ocorre a sua participação nele?
Michel Chagas:O correio nagô. O boca-boca.
Eu já estava na faculdade cursando administração, mas tinha vários amigos que participavam do pré-vestibular e sempre conversávamos sobre as desigualdades socio-raciais. Aí fui com meu irmão ver uma palestra do professor Hélio Santos na sede do pelourinho e depois, quando Jorge X passou no vestibular, fui para aula inaugural da Biko onde ele foi um dos homenageados. Eu fiquei fascinado pela Biko e queria participar de alguma maneira. Então quando abriram as inscrições para o Projeto Mentes e Portas Abertas (POMPA), eu preparei cuidadosamente minha proposta e participei da primeira turma em 2004. Ah, o vírus Biko me pegou!
Bikodisse: Qual a importância do Instituto Steve Biko na sua formação pessoal e acadêmica?
Michel Chagas:Tem uma importância muito significativa. A Biko primeiro rompeu com as barreiras que limitavam minhas perspectivas. Eu cursava administração e lembro que não tinha um projeto de vida. Na verdade eu não tinha referencial, não tive um professor negro na faculdade e não sabia onde eu queria atuar profissionalmente. A Biko ampliou minha visão e me ensinou a ousar. Hoje tenho sonhos mais audaciosos e me sinto preparado para enfrentar desafios. A Biko me deu oportunidade de exercer liderança e pôr em prática o que estava aprendendo na faculdade, ao contrário de muitos dos meus colegas de classe que estavam estagiando em áreas completamente diferentes e alguns apenas tiravam Xerox (cópias de documentos, etc.) no estágio. A Biko foi minha grande escola.
Bikodisse: O instituto tem a visão de constituir uma Instituição de Ensino Superior (IES) em 2012. Como você se vê nesse processo?
Michel Chagas:Eu acompanhei e participei no lançamento desta âncora. Acho uma tarefa ousada e a instituição vai precisar de tod@s para materializar esta visão. Eu estou me preparando academicamente, cursando um mestrado. Mas vou contribuir no que for preciso.
Bikodisse: Qual a linha de pesquisa do seu mestrado? Conte-nos um pouco sobre esta conquista.
Michel Chagas:O meu mestrado é em Políticas de Desenvolvimento Internacional na Duke University. Eu solicitei indicação da Biko para concorrer à bolsa LASPAU. Passei um ano no processo de seleção, primeiro documentação, depois projetos e em seguida, entrevista. Eu fui aprovado na seleção e ganhei a bolsa, mas com a condição de alcançar a pontuação suficiente no teste de proficiência em língua inglesa, TOEFL. Eu precisei parar tudo que estava fazendo para focar somente no inglês. Com um pouco mais de base eu fui para a Universidade do Arizona para um curso intensivo de Inglês. Tentei o TOEFL cinco vezes e na última consegui a pontuação necessária. Fui aceito em duas universidades: ISS na Holanda e Duke nos Estados Unidos. Eu decidi vir para Duke aqui na Carolina do Norte. O inglês foi um dos maiores desafios que tive que vencer, por isso gostaria de sugerir que a juventude invista num curso de língua estrangeira o quanto antes.
Bikodisse:Você foi um dos integrantes da campanha “Reaja ou será morto, reaja será morta". A Campanha cumpriu o seu papel?
Michel Chagas: Na verdade a Biko é integrante da campanha. Por conta das diversas demandas internas que a organização tem, em alguns momentos a Biko teve mais e em outro menos participação. Eu representava a Biko na campanha. A Campanha Reaja vem cumprindo um papel muito importante combatendo a violência policial. Ela sempre esteve firme em uma área que muitas pessoas não querem tratar. Lembro que com a mudança de governo na Bahia, a “Reaja ou será morto, reaja será morta" continuou saindo às ruas e denunciando que a brutalidade contra o povo negro continuava a mesma. A campanha Reaja ainda tem muitos enfrentamentos pela frente, mas considero que vem dando uma contribuição significativa na mobilização da comunidade negra por cidadania e na denúncia das violações dos nossos direitos não só na Bahia, mas em vários outros estados.
Bikodisse:Você deve ter acompanhado a audiência pública sobre as cotas raciais no STF (Supremo Tribunal Federal)? Qual a sua avaliação deste processo na sociedade brasileira?
Michel Chagas: Tenho acompanhado com angústia por estar longe. Eu acho que o debate é muito importante, mas no mínimo eu esperava uma oposição mais preparada e construtiva. De um lado várias representações do movimento negro apresentaram de forma organizada o porquê da necessidade de ação afirmativa, e do outro lado os mesmo questionamentos de como definir quem é negro, e de que não é justo. Sem falar em ter que ouvir um senador da república dizer que os negros se beneficiaram com a escravidão.
O que vejo é que não há justificativa para não adotar as políticas de cotas raciais. Os dados estatísticos vêm sendo usados para justificar a tomada de decisão. Por que o estado brasileiro quer fazer diferente com as políticas de ação afirmativa?
A Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) demonstra que 20% dos jovens brancos entre 18 e 24 estão no ensino superior, enquanto para somente 7% dos negros estão; outro estudo recente do IPEA demonstra que em cinco anos a desigualdade reduziu apenas em 0,7%.
Infelizmente há grupos políticos, a própria mídia, e outros setores da sociedade que defendem seus privilégios históricos. Nós temos que continuar nossa mobilização e lutar para que o estado adote políticas de inclusão para que assim tenhamos uma sociedade brasileira mais igualitária.
Bikodisse: Hoje, nos E.U. A, você consegue estabelecer alguma relação da luta do movimento negro americano com o brasileiro, principalmente nas ações afirmativas?
Michel Chagas: Eu acho que não estou numa condição de fazer uma avaliação sobre a realidade das relações raciais aqui nos EUA. Eu passei 10 meses no Arizona, um estado com muitos mexicanos e outros imigrantes. A agora apesar de estar na Carolina do Norte, um estado de maioria negra, vivo numa cidade universitária que é muito diferente do dia-a-dia da maioria das cidades. Eu posso dizer que ainda há muitas contradições, mas as ações afirmativas aqui possibilitaram uma representação da comunidade negra em várias esferas da sociedade americana. Os negros e negras americanas são proprietários de instituições financeiras, revistas, canais de TV. A CNN que é uma das maiores empresas de comunicação do mundo tem vários âncoras negros e negras. Não há só Obama na política, são muitos governadores negros também. Agora eu considero que as ações afirmativas no Brasil podem dar um resultado ainda melhor porque as cotas são ações imediatas, mas tem a Lei 10.639, que, saindo do papel, pode preparar a nova geração para a diversidade. Acho que esse grande diferencial pode fazer com que as ações afirmativas no Brasil tenham ainda mais eficiência.
Bikodisse: Em 2007 foi realizado o ENJUNE na cidade de Lauro de Freitas-Bahia. Como se deu o processo de organização desse encontro? Que fruto você pôde colher das discussões desse encontro para a Juventude Negra?
Michel Chagas:A organização do primeiro Encontro Nacional de Juventude Negra foi muito difícil por ter sido o primeiro, porque somos jovens e muitas pessoas não nos davam credibilidade e porque decidimos apostar em nós mesmos. Tivemos um pouco de dificuldades com a estrutura do encontro, mas tínhamos decidimos aprender, errando e acertando. A organização do ENJUNE honrou com todos os compromissos assumidos, e divulgamos as contas do encontro e todo apoio que tivemos. Isso foi muito importante para nós. O ENJUNE teve uma cobertura de mídia exemplar, até com transmissão ao vivo via internet. No campo político, tivemos delegação de 19 estados e discutimos políticas para a juventude negra em 14 eixos temáticos. Com as experiências do ENJUNE, o Fórum de Juventude Negra teve as propostas mais votadas na Conferência Nacional de Juventude 2008.
Eu posso dizer que o ENJUNE foi um grande marco na organização da juventude negra.
Bikodisse:Quando teremos o jovem militante negro Michel Chagas de volta às ruas, reuniões e instituições do movimento negro?
Michel Chagas: [risos]. Eu também não vejo a hora. Tenho 3 meses de férias agora e estarei aí no Brasil contribuindo no que for preciso.
Bikodisse:E o jovem Michel, o que ele diz para a comunidade negra?
Michel Chagas:Que precisamos estar juntos para superar os diversos obstáculos que temos. Hoje a juventude negra pode encontrar várias grupos e organizações para trocar idéias e enfrentar os desafios. Gosto de compartilhar a frase de Steve Biko “Ou você está vivo e orgulhoso ou você está morto. E quando está morto não se incomoda com nada.”
Eu encontrei este orgulho aqui na Biko.
Adorei a entrevista! Conheci Michel através da Biko e virei fã desse líder negro nato. Muito sucesso na sua nova caminhada.
ResponderExcluirA entrevista muito boa, esclarece muito bem os pontos de vista de michel e ainda por cima nos trás informações de como é mais ou menos o sistema norte-americano, sucesso michel.
ResponderExcluirbruno cupertino
Sou estudante do curso de pedagogia da UNEB, ex aluna do pré vestibular da Biko e eterna bikud@.
ResponderExcluirConheci Michel no 2º seminário do FOQUIBA e fiquei incomodada com as colocações dele a respeito das ações policiais contra negros e negras, ao questioná-lo el disse que eu tinha que escolher de que lado eu estava. Foi o suficiente para eu ir para casa e começar a construir a minha visão a respeito do assunto, percebendo que muitas das colocações dele eram pertinentes.
Michel é motivo de orgulho e referencial para a comunidade negra que vem se mostrando viva através das atitudes. Li a entrevista diversas vezes e a cada momento é uma emoção diferente.
Parabéns Michel você é um vitorioso e nós os beneficiados com a sua luta e persistência.
Vc não está e não estará só irmão.