segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Nota de Falecimento

Infelizmente, na madrugada deste domingo, perdemos Alexandro Francisco.

Colegas de Alexandro estavam desde o mês passado engajadas numa campanha para a recuperação do jovem, que faleceu neste final de semana.
Agradecemos a tod@s que ajudaram e torceram por sua recuperação, fomos pegos de surpresa e por isso, há pouco o que dizer, mas ficam registradas as palavras de Cristiana da Guia, amiga de Alexandro, que disse que ele partiu com a certeza de que não estava sozinho e de que era admirado por tod@s.,,

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Alexandro Francisco

Clique na Imagem para vê-la em tamanho maior.
Alexandro Francisco foi Aluno do Pré-Vestibular Steve Biko em 2009, quando conseguiu ingressar no curso de Engenharia Química na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Em setembro deste ano, cursando o segundo semestre da faculdade, Alexandro descobriu um câncer já em estado avançado, o que o obrigou a parar os estudos e começar a quimioterapia.
Colegas de Alexandro estão reunindo recursos para ajudá-lo no tratamento contra a doença.
A ideia é tornar o ambiente em que ele vive mais adequado às suas necessidades, para que a sua recuperação aconteça o mais rápido possível.
Toda ajuda será bem vinda, basta entrar em contato e dizer qual a melhor forma para colaborar.


Não Deixe de Contribuir, estamos contando com o apoio de Tod@s para que o nosso futuro Engenheiro Químico possa realizar seus sonhos.



Contatos:


Michele Alcântara: (71) 8812-5543

Cristiana da Guia: (71) 9914-4282

Sede da Biko: (71) 3241-8708


Através do E-mail:



michele.alcântara.almeida@gmail.com

kris.guia@hotmail.com.br


Ou procurar por Rogério, na Biko.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Bikodisse Entrevista: Bruno Cupertino



Biko Disse: "A libertação tem importância básica no conceito de Consciência Negra, pois não podemos ter consciência do que somos e ao mesmo tempo permanecermos em cativeiro"


Bikodisse: Você ingressou na Biko através do Projeto Oguntec, aos 14 anos de idade. Como se deu esse processo? O que motivou seu interesse em participar deste projeto?


Bruno Cupertino: Tudo começou quando ainda estava no colégio e os diretores informaram aos alunos do 1º ano que estavam abertas as inscrições numa instituição, mas não nos disseram de que instituição falavam, no entanto ressaltaram a importância de participarmos, pois a seleção englobava alunos que gostassem de matemática e áreas afins. A maioria dos meus colegas desistiu, eu, no entanto, mostrei-me interessado em participar do projeto, já que sempre gostei de matérias da área de exatas como; matemática, física e química, então conversei com minha mãe que sempre me apoiou em todas decisões tomadas por mim, e resolvi participar desse projeto.


Bikodisse: Enfrentou alguma(s) dificuldade (s) para cursar as aulas do projeto Oguntec? Quais e o que fez para superá-las?


Bruno Cupertino: As dificuldades existem, mas ela só passam a ser problemas quando nos propomos a fazer algo e não damos prioridade. Por isso me dediquei ao oguntec. Ao ser questionado sobre como iria conciliar as aulas do projeto com as do colégio, a resposta foi imediata; se me dedicasse a biko, teria mais facilidade com as disciplinas do colégio, e foi o que aconteceu. Na vida, utilizo estratégias para tudo, ás vezes as estratégias não funcionam, mas é um método que utilizo até hoje e não me arrependo.



Bikodisse: Sua concepção sobre Ciência e Tecnologia (C& T) mudou após o Projeto Oguntec? De que forma? Qual importância da C&T para o desenvolvimento do Brasil ?


Bruno Cupertino: Na verdade o meu conhecimento em C&T iniciou-se no Oguntec. Antes do projeto eu não tinha uma idéia formada e noção exata do que era ciência e tecnologia. Acredito que a população mais desfavorecida estaria num patamar diferenciado do atual se soubessem como se desenvolve a tecnologia e o por quê de seu desenvolvimento. A informação é a chave essencial da nossa sociedade, por isso restringi-las, é uma forma de opressão indireta que tem efeitos piores do que as formas de opressão direta. Com isso, a maioria da população demonstra um sentimento de desinteresse na obtenção do conhecimento, uma vez que o mesmo só pode ser obtido através da informação.


Bikodisse: Você percebeu alguma diferença entre o ensino da C&T no Oguntec e na Escola Pública? Quais? Considera importante replicar essa experiência nas Escolas Públicas? Por quê?


Bruno Cupertino: Infelizmente o governo não preza a educação dos jovens em escolas públicas, sendo assim, C&T não faz parte dos currículos escolares. Essa disciplina foi inovadora na minha vida, fiquei surpreso e gostei muito das aulas, essa matéria deveria ser incluída na grade colegial, muitos pensam que discutir C&T é somente ver o novo Iphone que saiu no mercado, mas não é só isso, discutimos também os efeitos da tecnologia na sociedade, estudamos atualidades, a influência da tecnologia na velocidade de comunicação, dentre outras coisas. C&T é uma matéria fundamental e inovadora que permite aos jovens perceber quão grande é a velocidade que a tecnologia se desenvolve. Procurando saber como elas se desenvolvem, os jovens se capacitariam e estariam habilitados para discutir ou atuar em áreas afins.


Bikodisse: Em outras edições da Bikodisse, @s entrevistad@s relataram a importância da disciplina CCN (Cidadania e Consciência Negra) em suas vidas. Com eram as aulas de CCN no Oguntec? Que importância tiveram na elevação de sua autoestima e formação política?


Bruno Cupertino: Minhas aulas de CCN eram demais, contava os dias para ter a próxima, pois em tudo que era relatado pela professora Vânia, ou em palestras, eu me enxergava. Me via nos depoimentos, e o que era passado fazia minha autoestima se elevar muito, a ponto de me assumir como negro, com um pensamento diferenciado sobre algumas coisas que eu considerava comuns e da importância de você estar informado, para termos embasamento nas coisas que falamos, ou que defendemos. Isso fez com que eu mudasse as minhas atitudes e as minhas filosofias de pensamento, digo que depois das aulas de CCN, me senti mais liberto e seguro para dizer as coisas que penso e gosto. Tanto na minha filosofia de vida, quanto em minhas escolhas políticas. Antes, a minha escolha por determinado candidato político era feita sem critérios, às vezes escolhia o que estava ganhando nas pesquisas. Hoje pesquiso a vida deles e procuro saber se o partido o qual eles pertencem, defende o que é bom para mim e para a minha comunidade.


Bikodisse: Em que momento e por que você resolveu prestar vestibular para Engenharia Elétrica? Como foi o desempenho nessas provas?



Bruno Cupertino: O Oguntec promovia palestras com ex-alunos que estavam em universidades ou que já haviam se formado. Depois de uma dessas palestras, justamente falando do curso de engenharia elétrica, decidi por este curso, foi a minha primeira opção em todos os vestibulares que prestei. Meu desempenho foi relativamente bom, dos nove vestibulares que fiz, fui aprovado em sete, sendo três da área 1, dois da FTC, a UFBA e o ENEM, onde tive um bom percentual e fui convocado pelo prouni a cursar engenharia elétrica na FIB com bolsa integral. Resultados como esse me fazem ver que valeu a pena ter passado alguns finais de semana estudando na biko, e os feriados com aula.



Bikodisse: Quais as dificuldades que um jovem negro enfrenta para cursar Engenharia Elétrica na UFBA? Quais são suas estratégias para superar essas dificuldades?


Bruno Cupertino: Acho que a dificuldade de cursar engenharia elétrica na UFBA, não se restringe somente a você ser negro, mas também a você ter dificuldades financeiras, eu desde que entrei na UFBA, procurei saber o que fazer para poder ter alguma renda na própria Instituição, desde então estou inscrito na Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e sempre que tem bolsas remuneradas ou seleção. Lá sou informado e basta que eu me inscreva para concorrer. São táticas que assumi para não ter que ir trabalhar fora, e eu sei que com o tempo não iria terminar o curso, na maioria dos casos que presenciei situações parecidas foi isso o que aconteceu.

Bikodisse: Você participa ou já participou de algum grupo da UFBA (D.A,, DCE, Grupos de pesquisa, etc...) ? Conte-nos um pouco.



Bruno Cupertino: Sim, participo do CAEEL que é o Centro Acadêmico de Engenharia Elétrica onde ocupo o cargo de Coordenador de Atividades, fiz parte de uma chapa na eleição do DCE, só que não ganhamos e fiz uma iniciação científica no grupo INDIGENTE, que é um grupo que desenvolve jogos no curso de ciência da computação, essa última foi uma bolsa cedida pela universidade.



Bikodisse: A WorldFound, instituição que contribui com recursos financeiros para o projeto Oguntec, promoveu um evento nos EUA e convidou três representantes da Biko. Como foi a sua participação neste evento? Qual a importância dessa experiência?


Bruno Cupertino: Minha participação no evento promovido pela worldfund nos EUA foi apresentar a todos que lá estavam, um pouco da minha trajetória antes e depois que passei na instituição Biko, falar um pouco de como foi fazer o projeto Oguntec, e da minha aprovação no ENEM, processo seletivo que me levou a cursar Engenharia Elétrica na FIB. Mal sabia que quase dois meses depois, passaria na UFBA em Engenharia Elétrica. Foi uma experiência única, não é todo o dia que você viaja para os EUA, ainda mais em Nova Iorque. Fiquei vislumbrado com a cidade e muito feliz com a oportunidade que me foi dada.


Bikodisse: O que você faz na Biko atualmente e como se vê na IES Steve Biko?



Bruno Cupertino: Atualmente, desenvolvo na Biko um projeto em conjunto com Lázaro, que começará no próxima turma do Oguntec. Estou ansioso para pôr em prática algumas coisas que decidimos em reuniões que fizemos. Na IES Steve Biko, prentendo inicialmente participar como estagiário ou monitor, não sei ainda se quando essa IES se firmar já estarei habilitado a ser professor do Curso de Elétrica e num futuro não muito distante, chefe do departamento do curso de Elétrica da Universidade Steve Biko.



Bikodisse: No final deste ano, mais uma turma do projeto Oguntec prestará vestibular. Que mensagem deixa para esses/essas jovens negr@s que, assim como você, sonham ingressar numa universidade pública.


Bruno Cupertino: Vou fazer uma coisa melhor, minha mensagem será pros jovens da turma atual do oguntec e para os leitores que têm a mesma vontade de entrar numa universidade pública. A vitória só vem com dedicação, não é somente dizer “eu quero”, mas se fazer merecedor daquilo. No momento que você, jovem, decidir estudar pra entrar numa universidade, você tem que fazer alguns sacrifícios que posteriormente verá não como sacrifício e sim como escolhas feitas para obter bons resultados. Nem sempre espere por conquistas imediatas, alguns resultados virão quando você menos esperar, é preciso ser persistente e insistente, vença pelo cansaço se for preciso, e se quer realmente entrar numa universidade, se é isso que você deseja, elimine a palavra DESISTIR do seu dicionário, ela não merece ser consultada enquanto você luta para chegar ao seu objetivo.


sexta-feira, 29 de outubro de 2010



Biko Disse:
A falta de bem materiais já é bastante ruim, mas unida à pobreza espiritual é mortífera.





Bikodisse: Conte-nos um pouco sobre sua trajetória educacional antes do ingresso no pré-vestibular Steve Biko.

Indira Nascimento: Eu sempre estudei em escola pública, fiz cursinho pré-vestibular, mas não fui até o fim porque era daqueles cursinhos com mais de 100 pessoas na sala, os assuntos eram corridos, logo percebi que estava jogando o meu dinheiro fora. O sistema desses cursinhos tradicionais é passar o conteúdo, não estão preocupados se você entendeu o assunto e ainda existia certa censura, tanto dos professores quanto dos alunos, a quem interrompesse a aula para tirar alguma dúvida. Então decidi sair e procurar outro cursinho para estudar.



Bikodisse: Quando e como começou sua história na Biko? Enfrentou alguma dificuldade para cursar as aulas? Qual (is)?

Indira Nascimento: Eu tenho um amigo que já conhecia a Biko, e conversando com ele sobre a minha vontade de prestar vestibular e fazer um cursinho preparatório, ele falou do Instituto, disse que era um pré-vestibular para negros e negras e que tinha um trabalho muito importante na luta pela inserção de estudantes nas universidades. Achei interessante e quando as inscrições foram abertas, eu e mais um grupo de amigos, decidimos fazer o processo seletivo. Detalhe que só eu passei na seleção, isso foi no ano de 1999 e a Biko funcionava nos Barris. Quem fez a minha entrevista foi Gelton e Carmen, nunca me esqueço. Eu estava nervosa e ansiosa para saber que cursinho era esse, que para cursá-lo precisaria passar por uma entrevistada antes. Mas, depois que entrei, entendi o por quê da entrevista, era um filtro para ver quem realmente tinha objetivo e determinação para adentrar a universidade, já que tinham poucas vagas disponíveis. Não tive nenhuma dificuldade para cursar o pré-vestibular, eu trabalhava e o meu salário dava pra pagar as mensalidades tranquilamente. Os professores eram excelentes e qualquer dúvida que tivesse em algum assunto era explicado pelos próprios professores, monitores e colegas de sala. Apesar de não passar dificuldades, via que a grande maioria dos meus colegas vendia lanches ou alguma coisa que gerasse renda para pagar as mensalidades e o transporte para freqüentarem as aulas. Outros, andavam longas distâncias para economizar a grana que tinham para uma cópia de algum material ou poupavam para pagar as inscrições dos vestibulares.


Bikodisse: É verdade que outros membros de sua família também estudaram na Biko? Esse é um bom índice para medir a qualidade das ações do ICSB? Quais principais mudanças você pode perceber em cada um deles após a Biko?

Indira Nascimento: Verdade. Depois que entrei na Biko eu incentivei os meus irmãos, cunhadas e amigos para cursarem o pré-vestibular. Todos que passaram pelo Instituto, em sua maioria, tiveram êxito. Inclusive meu irmão, Daniel, que está estudando nos Estados Unidos, na universidade Morehouse College. Ele foi um dos escolhidos para participar do intercâmbio pelo projeto do Oguntec e o menino está dando o maior orgulho, tanto para a família quanto para a Biko, pois já recebeu vários prêmios por seu alto desempenho acadêmico. Sempre falo que a Biko é muito mais que um pré-vestibular. Lá você aprende a ser cidadão, a ser negro e lutar por seus direitos e, acima de tudo, faz você se descobrir e saber que é capaz. Parafraseando uma música de Gil, digo que a Biko me deu régua e compasso para lutar contra o racismo em nossa sociedade. Você consegue perceber coisas que até então passavam despercebidas aos nossos olhos, como por exemplo, a discriminação a que estamos expostos cotidianamente. Por exemplo, falta de representatividade na mídia, na política, nas universidades, nos cargos de chefia em empresas etc. Pensar Steve Biko é pensar a desconstrução dos pensamentos impostos pelo sistema racista que tenta nos desestimular/diminuir diariamente a elevação de nossa autoestima; trabalhar pela coletividade; saber fazer e não esperar as coisas acontecerem; incomodar, persistir até conseguir e avançar sempre.



Bikodisse: Qual importância das aulas e atividades da disciplina CCN na elevação de sua autoestima e formação política?

Indira Nascimento: As aulas em geral e as atividades de CNN, foram fundamentais para entender como se dá o processo de exclusão da população negra. Aprendemos que não adianta lutarmos individualmente, a luta deve e tem que ser coletiva! Porque só assim temos força. Uma coisa que me marcou muito foi as histórias individuais dos meus colegas. Todos tinham um histórico de vida “pesado”, com dificuldades diversas, mas todos queriam mudar suas histórias e estavam ali para transformar suas vidas. A força de vontade dos estudantes era impressionante, muitos tinham concluído o 2º grau há anos e sentiam dificuldade de acompanhar as aulas, mas a união era tão grande que quem dominava mais um assunto chegava mais cedo durante a semana e aos finais de semana nos encontrávamos para fazer exercícios e tirar dúvidas. Acho que isso é o diferencial da Biko, ali ninguém era concorrente de ninguém, todos estavam em busca de um objetivo; passar no vestibular, e apesar das dificuldades individuais, este sonho viraria realidade.



Bikodisse: Quais os principais motivos para a escolha do seu curso de graduação?



Indira Nascimento: Eu sempre gostei de ter uma visão geral de tudo que eu faço. Então decidi prestar vestibular para Administração na Cairu. Já tinha cursado administração no nível técnico. Como, na época, o curso tinha várias habilitações, decidi pelo marketing, porque não achava as outras áreas interessantes, e graças a Deus eu acertei, porque me sinto realizada trabalhando na área.





Bikodisse: Você fez uma especialização na área de marketing? Qual importância desse curso? O trabalho de conclusão foi sobre a ”área” de comunicação da Biko?

Indira Nascimento: Eu sou graduada em Administração com Habilitação em Marketing e a minha especialização foi em Gestão da Comunicação Organizacional pela Escola de Administração da UFBA. Busquei este curso para conhecer mais as ferramentas de comunicação utilizadas pelo Marketing. Apesar das pessoas acharem que o marketing e a comunicação são a mesma coisa, elas são áreas distintas. O marketing é muito mais gestão, muito mais estratégico do que comunicação, que é a última etapa do processo; a divulgação final de um produto ou serviço. O meu objeto de estudo foi a comunicação do Instituto Cultural Steve Biko, mais precisamente o “Correio Nagô”. A Biko é conhecida por uma rede muito particular, por pessoas que estão nos movimentos sociais, fora deste meio o instituto não era muito conhecido. Isso ficou evidente nas entrevistas que foram feitas com os membros da Instituição. Todos disseram que conheceram a Biko através de conversas, na oralidade, uma característica muito forte dos nossos ancestrais. Isso me deu um trabalho... Porque existe pouquíssimo material escrito sobre o “Correio Nagô”. Mas, com muita pesquisa encontrei alguns artigos e consegui escrever sobre o tema.



Bikodisse: A sua atuação profissional é influenciada pela Biko e as aulas de CCN? Você acredita que ter passado por esse processo faz com que tenha um diferencial em relação a outros profissionais da mesma área?

Indira Nascimento: Claro, na minha conduta profissional eu sempre procuro pôr em prática o que aprendo ao longo da minha vida e com os ensinamentos da Biko não foi diferente. Hoje eu coordeno um departamento e tenho o poder de escolher as pessoas com quem trabalho e os projetos que posso apoiar, sempre buscando ver com um olhar negro as atividades desempenhadas na área em que atuo. Passei por uma situação interessante para um processo de seleção para a vaga de estágio no departamento. Nesta área, primeiro a gente verifica o portfólio, pra quem não sabe, portólio são os trabalhos desenvolvidos pelo profissional que trabalha como designer gráfico (cartaz, banner, cartão etc.). Selecionei alguns currículos e entrevistei 3 estudantes. Um tinha muita experiência e, pelo tipo de trabalho, sabia que não ficaria por muito tempo, então escolhi o que nunca tinha trabalhado, mas percebi que ele tinha potencial para a vaga. Ele é negro e tem um cabelo Black. Depois de algum tempo, ele me disse que estava morrendo de medo de estagiar, pois tinha receio que, ao passar pela seleção, fosse solicitado que ele cortasse o cabelo. Ainda brinquei com ele dizendo: - Como assim, pedir para você cortar o seu cabelo, se você só passou por causa dele?! Rsrsrs. Fiquei trabalhando com ele por 1 ano e durante esse tempo percebi uma grande evolução em seus trabalhos. Agora ele está em outra empresa e é um excelente profissional, todos elogiam muito o trabalho dele, que inclusive, fez algumas peças para a Biko.



Bikodisse: Qual sua opinião sobre a presença d@S negr@s em peças publicitárias?

Indira Nascimento: Hoje em dia vemos que a figura d@ negr@ tem sido muito utilizada em campanhas publicitárias, propagandas etc. E, tenho certeza que isso vem sendo acontecendo graças à luta do Movimento Negro, de colocar sempre este assunto em pauta e outro ponto a ser analisado, é que o negro está tendo ascensão e com isso ele passar a ser um consumidor em potencial e as empresas estão de olho neste consumidor, procurando atrair este público para consumir os seus produtos. Um exemplo disso é uma propaganda que está sendo veiculada na televisão de uma loja de departamentos, em que 80% das pessoas que participam do comercial, são negras. É por acaso? Claro que não.



Bikodisse: Como se dá sua atuação no NUCOM-Biko? O que precisa melhorar? Quais avanços você tem percebido nos últimos anos?

Indira Nascimento: Eu sou voluntário da Biko já faz um tempo, aliás, entrei 1999 e estou até hoje! No NUCOM a dificuldade que eu percebo é que não tínhamos uma equipe para trabalhar com a comunicação, de forma contínua. A Biko trabalha com projetos e para mantê-los é preciso captar recursos. Ela precisa mostrar os resultados destas ações para atrair investidores, quer seja pessoa física ou jurídica. Sempre estou à disposição da Instituição, já escrevi alguns boletins informativos, estou sempre ajudando nos eventos como o Festival e o Bloco “Os Bikudos”. Fui coordenadora dos festejos de 15 anos da Instituição, quando trouxemos o filho de Steve Biko para uma Conferência etc. Tivemos um avanço com o PDI. Foi montada uma equipe durante 9 meses de projeto, mas ao fim, não tínhamos como manter a equipe e ela foi desfeita. Mas, agora conseguimos duas pessoas que trabalham na comunicação da Instituição e estão dando conta do recado. O Instituto Steve Biko está nas redes sociais (Orkut, Facebook, Twitter, Blog), tem alimentado o seu site, divulga boletins eletrônico e isso estão dando bons resultados na projeção das atividades desenvolvidas pelo Instituto na mídia e na internet. Eu faço votos que este trabalho continue. Parabéns pra George, Denise e Bete!!



Bikodisse: De que forma você contribui para a IES Steve Biko e como se vê nesse processo?

Indira Nascimento: Eu estou no processo desde a concepção do projeto. Participei do primeiro seminário e fizemos algumas reuniões com algumas lideranças para discutir sobre a Faculdade Biko, para que ela não seja apenas mais uma, risco que com certeza não corremos por causa histórico do Instituto. Tenho muito a contribuir, já que trabalho há 7 anos numa instituição de ensino superior, na área de marketing. A minha experiência vai ajudar e muito para que a IES Steve Biko tenha a projeção desejada por todos.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Bikodisse Entrevista: Elder Vargão


Biko Disse: A falta de bem materiais já é bastante ruim, mas unida à pobreza espiritual é mortífera.

Bikodisse: O que motivou o seu interesse em ingressar na Universidade?


Elder Vargão: Lembro que em 2002 teve a primeira isenção para o vestibular UFBA e nunca havia pensado em fazer curso universitário, no entanto estava no terceiro ano, saindo da escola. Nesta época, a Universidade Federal da Bahia estava passando por algumas transformações que nós estudantes de colégio estaduais não sabíamos, é aí que reside um dos pontos que me fez quebrar com a linha histórica familiar, passei a pensar diferente (em formação acadêmica), fui criando oportunidades onde não existia, comecei a me mexer e a dar direção a minha vida. Assim, fiz a inscrição para concorrer a vaga de isenção da taxa do vestibular, sabia que tinha chance de ganhar, pois tinha boas notas. Nesta primeira lista de isenção saíram só três nomes entre todos os discentes que estudavam à tarde, dentre esses estava o meu. Foi a primeira alegria que vivenciei, pois havia poucas vagas e consegui uma. Depois procurei saber o que era a UFBA e ninguém do meu meio sabia me responder, diziam que não existia universidade pública no Brasil, talvez levados a tal assertiva pelos longa metragem norte-americanos, mas não desisti, tinha de saber como funcionava a universidade pública. Fui ler livros, revista e jornais, pois o que eu queria saber não era do conhecimento das pessoas do meu bairro. Encurtando a história; fiz a inscrição para curso de História, não porque queria ser professor de tal disciplina, mas porque era a área que mais me identificava no colegial, minhas melhores notas estavam nesta área, escondi essa “preferência”, uma professora chegou a me dizer que poderia fazer Direito, tinha tudo para ser um bom profissional. Não dei importância. A prova se aproximava e a escola não dispunha de uma formação que nos capacitasse para fazer o vestibular, e eu sequer sabia que existia cursinho pré-vestibular, na realidade, havia uma gama de informações que desconhecia. Logo fui fazer a prova, sem mesmo saber como era e não passei. Contudo sabia e estava claro depois que a fiz, que os anos de ensino público foram muito fracos, fracos mesmo. E eu tinha de refazer meus estudos. Os anos de 2003, 2004 e 2005, foram períodos que fiquei conhecido como “caseiro”, alcunha dada por amigos de infância. Estavam certos, estudei, revisei e aprendi assuntos que nunca havia visto no colégio, e reforcei o que eu já sabia. Claro, tinha os meus espaços de lazer também, sendo que muitos foram lendo bons livros (risos). Comecei a pedir para meus irmãos e a minha mãe para trazerem jornais, revistas e livros para eu ler. Este fato é interessante, sabe por quê? Num dos livros que minha mãe trouxe para mim, um fato me chamou atenção, fiquei perplexo, dentre esses livros existia um que era igual o colégio havia me dado, capa, autor, só o volume de páginas que era diferente e isso chamou minha atenção. Quando abri o dito livro, falei: não pode ser! Como, sendo o mesmo livro, esse tem questões de vestibular, conteúdos mais detalhados e informações adicionais, se o meu não tinha? Este livro diferente, era de um estudante de uma escola particular, tradicional, católica de salvador. Aí vi que a questão deveria ser encarada com seriedade, disciplina, planejamento e autoestima.


Bikodisse: Quando e por que você resolveu cursar psicologia?


Elder Vargão: Como tinha agora uma diversidade de materiais para ler e muito desses, eram de pessoas que já haviam cursado nível superior, fiquei a par de todos os cursos, pois minha irmã trouxe um manual velho da UFBA, e lá havia todos cursos e informações referentes a cada um deles. Foi assim que conheci a Psicologia, mas ainda estava em dúvida. Certo dia minha mãe chegou em casa com uma sacola de livros e disse que eram meus. Ela contou que a patroa perguntou para que ela queria aqueles livros, minha mãe não respondeu, disse apenas que iria levá-los. Quando eles chegaram em minhas mãos, não tive mais dúvidas, disse: vou ser psicologo formado pela UFBA. Gente, o que posso dizer é que procurei a Psicologia, não conhecia nenhum psicólog@. Não tinha nenhum parente com curso universitário ou cursando, nem era do meu conhecimento vizinho acadêmico. Fui descobrindo através das leituras que tinha afinidades com área, fui cada vez mais querendo saber, a necessidade de conhecê-la me fiz ir para bibliotecas, sendo que aliado a isso tinha meu jeito investigativo, a escuta sempre atenta aos dizeres, segredo de pessoas próximas, a maneira observadora e atenta aos fatos e comportamentos humanos. É, pelo que disse, vocês podem ter uma idéia que não escolhi a profissão visando dinheiro, antes de tudo, a partir das possibilidades, criando oportunidade, fui selecionado, descartando, até que a encontrei, e sei que é o que quero para o resto da minha vida.


Bikodisse: Como você conheceu a Biko? Enfrentou dificuldades para cursar o pré-vestibular?

Elder Vargão: (Risos) É muito engraçada a minha história, conheci a Biko quando ainda estava cursando o Pré-Vestibular Universidade para Todos no Colégio Luiz Viana, em Brotas. O engraçado é que mais uma vez tive a mediação de um meio de comunicação, o jornal, falarei sobre isso agora. Minha irmã, a meu pedido, trazia exemplares antigos do jornal A Tarde, de seu trabalho, assim num desses dias, no segundo semestre de 2004, ela deixou um do dia anterior. Eu era leitor assíduo deste jornal, mas neste dia não li pela manhã, o levei para o curso e à tarde tirei da pasta e comecei a lê-lo, estava junto com alguns colegas. Até aquele dia nunca tinha ouvido falar da Biko, quando passei algumas páginas me deparei com uma matéria falando de cursinho pré-vestibular para negros, na imagem tinha alguns alunos de cabelos afros, então parei e falei: Gente, em 2005 vou fazer pré-vestibular na Biko. Gostei da proposta de ensino e da história da instituição, tinha coisa de CCN que não sabia o que era, tomei uma decisão, naquele ano faria a prova da UFBA. Todo mundo me achou insano. Não dei importância para o que os outros diziam, ninguém naquele curso levava fé em mim, diziam que o curso de Psicologia era caro, que eu não teria dinheiro para cursar, pois os custos não permitiriam. Chegaram a falar da concorrência, na época psicologia era o terceiro curso mais concorrido. Como estava certo do queria, não levei em consideração nada o que me falaram. Ah! Guardei a matéria e esperei pela seleção de 2005, sabe o que aconteceu? Passei na seleção, virei um BIKUDO e, enquanto bikudo, a minha maior dificuldade era o cansaço, pois não tinha dinheiro de transporte, o dinheiro que tinha só era da prestação do pré-vestibular. Dessa forma andei, andei muito à noite, fazia o percurso de Cosme de Farias à Nazaré. E quando tinha aula o dia todo, era cansaço dobrado, vinha para casa comer e depois voltava para o curso, ninguém acreditava, mas eu estava decidido a passar em Psicologia na UFBA. Quando se é excluído, as coisas passam a ser mais difíceis, a impossibilidade é um estigma que não pode ser assimilado, porque a outra luta é permanecer e fazer uma excelente formação acadêmica.

Bikodisse: As aulas de CCN contribuíram para elevação de sua autoestima e formação política?

Elder Vargão: Sempre me lembro do professor Maca, fazendo os refrãos de autovalorização e nós em coro repetindo e dos convidados que serviram como modelo. Minha autoestima floresceu, meu cabelo também, parei de raspá-lo, vi que podia deixá-lo crescer, se isso fosse do meu interesse. Lembro também que via o CCN nas aulas da tríade de grandes docentes como Ivo, Guimário e Edson. O CCN era transversal.As aulas da Professora Conceição, fortaleciam-me a cada dia, a cada tema. Vida política só passei a ter depois da Biko, depois do CCN.

Bikodisse: Antes de participar do Pré-vestibular Steve Biko, você já havia participado de outro grupo ou ONG?

Elder Vargão: Antes da Biko, em 2004, participei do primeiro Universidade para Todos, cursinho pré-vestibular para estudantes de colégio público. Mas não se compara a Biko. Foi na Steve Biko que conheci o Cinema e os museus, pela primeira vez aos 21 anos, acreditem. Foi na Biko que minha consciência, enquanto homem, jovem, e negro, passou a ser lapidada, nela conheci personalidades negras que fizeram formação universitária. Na Biko, sentia e via que em 2006 eu estaria na universidade. Lá construi amizades que levarei para o resto da vida, costumo dizer que a Biko é mais que um cursinho pré-vestibular, é uma revolução na história de muitas vidas. Hoje vejo isso, quando encontro com antigos colegas da Biko na Universidade, em repartições públicas...

Bikodisse: Você é cotista? Qual sua opinião sobre o sistema de ações afirmativas da UFBA?

Elder Vargão:Sim, sou cotista.

Com relação ao sistema de cotas, acredito ter sido uma revolução, a sua implantação na UFBA, universidade burguesa, inserida dentro do complexo sistema de (re)produção de iniquidade e mazelas no seio da sociedade baiana. Agora devemos lutar por mais conquistas, a mudança estrutural deve constar em nossos planos. Por fim, em Psicologia Escolar li dois livros que são básicos para entender o sistema educacional brasileiro, Produção do Fracasso Escolar - Maria Helena Souza Patto e História da educação no Brasil, Otaíza de Oliveira Romanelli para citar só dois entre vários que versam sobre o asssunto. Neles vamos ter a certeza de que cotas não é um favor, mais um direito, até que ocorram transformações que favoreçam a disputa por riquezas matérias e culturais produzidas pela sociedade, a qual temos o direito de usufruir e gozar também. Chega de sermos espectadores, de Panis et circenses.

Bikodisse: De que forma o Psicólogo Elder Vargão poderá contribuir para o fim do racismo e dos danos psicológicos causados às vítimas de discriminação racial?

Elder Vargão: Acredito que já estou contribuindo, recentemente escrevi um artigo ainda não publicado chamado: Psicólogo Escolar e Relações Étnico-Raciais. Por que tanta omissão? Também junto ao GT-Relações Raciais do CRP 03, sou um dos colabores do manual de referências para psicólogos e estudantes Psi e demais profissionais sobre questão racial e psicologia. Fora isso, falo e discuto sobre a omissão da clínica psicológica por não considerar a discriminação como um fator de sofrimento psíquico. Assim pretendo trabalhar nesta causa e escrever sobre o racismo e seu impacto na saúde psíquica.

Bikodisse: Dizem que tod@s psicólogos negr@s de Salvador se conhecem. O que você acha dessa afirmação? Ainda somos poucos representados nessa profissão?

Elder Vargão: A assertiva é verdadeira e fica ainda mais concreta se você considerar os que discutem questões raciais, aí nós nos conhecemos bem. Pois as pessoas nos apresentam e terminamos mantendo contato, ficamos amigos. A psicologia é uma categoria profissional de hegemonia feminina e branca, e ainda vai durar muito tempo para mudar esse quadro, mesmo com as cotas, poucos negr@s entram na UFBA para cursar psicologia.

Bikodisse: Quais as dificuldades que um jovem negro enfrenta para cursar psicologia na UFBA?

Elder Vargão: As diferenças gritantes de classe. A principal para mim era a renda, ter dinheiro para fazer cursos extras, comprar livros, pegar disciplinas à tarde, ir aos encontros, simpósios, seminários, etc.

Bikodisse: Que área da psicologia você pretende atuar? Já participou de algum grupo de pesquisa?

Elder Vargão: Psicologia da Saúde ou Comunitária, já fiz e participei de três grupos de pesquisa.

Bikodisse: Deixe-nos uma mensagem de incentivo para @s Bikud@s que prestarão vestibular este ano.

Elder Vargão: Deixarei um poema que fiz, pensei nele pela mensagem de superação, sonho e vitória frente às dificuldades, pois temos que renascer a cada desafio, sem desistir:
Farol


Darei o peito à flecha,

Mas não renunciarei o onírico.
Serei águia e libra, esplêndida força.

E no argumento ontológico vou preterir o lógico.

Assim, pagarei a ferro o meu amor pela vida.

Desse modo, quando dardos incidirem minha atmosfera,

em uníssono com gritos do meu último pleito.

Não desisto!

Porque sou Bikudo, ave egípcia que explode das ruínas,
sou fênix!!!


Elder Vargão Borges

Já ia esquecendo, em 2011.2 serei mais um psicólogo formado pela UFBA!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Bikodisse Entrevista: Augusto Cardoso


BIKO DISSE: "Para realizar uma ação verdadeira, é necessário ser parte viva da África e de seu pensamento; é preciso ser um elemento da energia popular que é totalmente convocada para a libertação, o progresso e a felicidade da África."


Bikodisse: Você nasceu em Guiné-Bissau, como tomou a decisão de vir para o Brasil para continuar os estudos?
Augusto Cardoso: Antes de responder esta questão, gostaria de contar um pouco da minha história. Nasci na República da Guiné-Bissau, precisamente na Ilha de Orango-Grande, na aldeia (vila) de Eticoga. O território guineense é formado por duas partes; uma continental e outra insular, conhecida como arquipélago dos Bijagós. Eu sou um Bijagó, sou o 5º filho de uma família de dez irmãos.
É importante explicar o sentido da palavra Bijagó. A comunidade designada por este nome é originariamente conhecida pelo termo Oujôco, que quer dizer indivíduo ou pessoa, em oposição aos animais irracionais.
Conforme o saber Bijagó, todo indivíduo que não age de forma decente, racional e conveniente não é, e nem pode ser, um Oujôco - não pertence ao grupo humano, e sim, ao mundo dos animais irracionais, dos néscios. O termo Bijagó é uma corruptela que se disseminou na Guiné-Bissau, mas o sentido do vocábulo Bijagó permanece dizendo respeito à sensatez, à hospitalidade, à solidariedade, à lealdade e à racionalidade. Essas características são de tal modo importantes para os membros dessa comunidade, que permeiam aspectos diversos da vida e do estilo de vida dos Bijagós e permanecem orientando diversas práticas e relações interpessoais.
Iniciei o meu estudo primário na Ilha de Orango até a 4ª série. Depois de terminar essa fase, o meu pai entendeu que eu já era alfabetizado, e essa alfabetização tinha valores ocidentais e não Bijagós. Com isso, achou por certo que eu já deveria aprender tudo sobres os valores tradicionais Bijagós, ou seja, aprender saberes e práticas do meu povo. Isso durou três anos, depois desse tempo, no entendimento e aprovação do meu pai eu já era um Oujôco. Com isso meu pai me liberou para seguir em frente com os estudos, que ele chamava de ocidentais. Isso foi de fundamental importância na minha formação e em todas as áreas da minha vida.
Depois desse período, parti para a ilha de Bubaque onde terminei a 5ª e 6ª; as 7ª e 8ª séries na ilha de Bolama, e concluí a 9ª e 10ª, finalmente, em Bafáta. A 11ª e 12ª foram cursadas em Bissau, depois disso, passei 12 anos fora da sala de aula.


Bikodisse: Quais fatores foram determinantes nessa escolha?
Augusto Cardoso: Escolhi continuar os estudos no Brasil ao invés de outro país, primeiro por causa da língua portuguesa que temos em comum, segundo pelo jeito de ser dos brasileiros, o calor humano e aconchego dessa nação, em especial do povo baiano.

Bikodisse: Fale-nos um pouco sobre a Guiné Bissau e a importância de Amilcar Cabral na história do seu país.

Augusto Cardoso: Antes da chegada dos Europeus, a região da atual Guiné-Bissau constituía-se em uma parte do Reino de Gabu, tributário do Império Mali, ao qual esteve vinculada até o século XVIII.
A República da Guiné-Bissau é um pequeno país litoral da África Ocidental, que foi invadido pela colônia europeia entre 1446 e 1974, ano em que se tornou país independente. Faz fronteira com o Senegal, ao norte, e com Guiné Conacri, ao sul e ao leste (ambos os países francófonas). O país tem uma área de 36.125km², sendo uma parte continental e outra insular, o Arquipélago dos Bijagós. O Arquipélago dos Bijagós é constituído por 88 ilhas e ilhéus, e fica situado a pouca distância do litoral do país, oposto à foz do Rio Gêba - que tem 724 km de fronteiras internacionais, 386 km desses com a Guiné Conacri e 338 km com o Senegal. A paisagem é dominada por planícies litorais, que se elevam gradualmente a leste, nas zonas de savana, onde se atingem altitudes de 300m. A Guiné-Bissau tem clima tropical, geralmente quente e úmido. Verificam-se precipitações anuais de 1.500-2.000mm na maior parte do país, embora a região Sul seja mais úmida, excedendo os 2.000mm. A precipitação é nitidamente sazonal, com um regime de monções entre Junho e Novembro e ventos de sudoeste. Segue-se uma época seca de seis meses, de Novembro a Abril. A temperatura média do mês mais frio, em Bissau, é de 25°C, enquanto que a média do mês mais quente é de 28°C.

Neste contexto, do ponto de vista sociocultural, Guiné-Bissau é caracterizada pela diversidade étnica de particularidades culturais. Cada um desses 27 grupos étnicos têm a sua própria forma de ser e de viver, que muitas vezes se reflete no modo particular do estilo de vida social, cultural e espiritual, de organização e ordenamento do território, na construção das habitações, no seu estilo de vestuário; na simbologia, nas crenças religiosas, nos rituais, no jeito de adoração aos seus antepassados, na gastronomia, nas manifestações festivas, na produção artesanal, nas atividades produtivas de natureza econômica e política, dentre outros.
Conforme a organização administrativa do país, no norte, região de Cacheu, predominam as etnias Manjaco e Mancanha; no litoral centro, região de Biombo, está referenciada a etnia Papel; no centro norte, região de Oio, a principal etnia é Balanta; as regiões de Bafatá e de Gabu são predominantemente ocupadas pelos Fulas e Mandigas; na região centro sul, em Quinara, a presença mais comum é dos Beafada; no sul, em Tombali, tradicionalmente são identificados os Nalu; e na região de Bolama-Bijagós, os da etnia do mesmo nome, Bijagós, que habitam todo o arquipélago e, por fim, no Setor Autônomo de Bissau, encontra-se uma multiplicidade de origens étnicas diferentes, mas o território antigamente pertencia ao grupo étnico Papel.

Importância de Amilcar Cabral na história da Guiné-Bissau

Aos 12 dias do mês de Setembro de 1924, nasce em Bafafá, leste da Guiné, o menino Amílcar Lopes Cabral, filho de Juvenal António Lopes da Costa Cabral e Iva Pinhel Évora. Cabral como qualquer outro jovem da época assiste as atrocidades do sistema colonial. Em 1945, Cabral é um dos primeiros jovens das colônias portuguesas a ser contemplado com uma bolsa para frequentar os estabelecimentos de ensino superior em Portugal e matricula-se no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa.
A vida desse jovem como estudante constituiu uma oportunidade para aprofundar o seu sentimento progressista anti-colonial, participando ativamente nas atividades estudantis clandestinas que se desenvolviam a volta da Casa dos Estudantes do Império e da Casa de África; segundo a história, foi aí que veio a conhecer outros estudantes africanos como: Marcelino dos Santos, Vasco Cabral, Agostinho Neto, Eduardo Mondlane e outros que se tornariam futuros líderes dos movimentos de libertação.

No início de 1953, Cabral é colocado como engenheiro agrônomo na Guiné-Bissau, para trabalhar na estação agrária experimental de Pessubé. Ele aproveita-se então da sua atividade profissional para percorrer a Guiné de ponta a ponta e adquirir um bom conhecimento do terreno, bem como da constituição social das suas populações. Foi ele quem realizou o primeiro recenseamento agrícola dessa colônia portuguesa.
Amílcar Cabral e seus companheiros, em 19 de setembro de 1956, decidem então fundar o PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde). O movimento se manteve pacifico até 1963, quando o PAIGC iniciou a luta armada de guerrilha, visando pôr termo ao colonialismo português. Em 1973 Amílcar Cabral é assassinado em Conacri, com isso é intensificada a guerra e, no mesmo ano, em 24 de setembro é declarada unilateralmente a independência da guerrilha do PAIGC, por ter consolidado 90% do território. Mas um anos depois, em 10 de setembro de 1974, Portugal reconhece a independência do país e a Guiné-Bissau foi a primeira colônia portuguesa na África a ter sua independência reconhecida, constituindo-se na República da Guiné-Bissau.
Como líder das forças de libertação nacional, Amilcar Cabral assumia como condição fundamental da vida política a institucionalização acima do personalismo, com isso garantiu o sucesso político e a capacidade institucional das organizações.
Conforme Cabral, qualquer líder que fizesse jus a esse titulo seria capaz de construir uma organização política que sobrevivesse e atingisse as metas estabelecidas, na presença e ausência desse próprio líder, deixando bem claro que ninguém era insubstituível no PAIGC. Isso explica o não enfraquecimento dessa forças amadas depois da sua morte, como pensava o colonialismo. Amilcar Cabral teve grande importância na formação e na independência da nação guineense e por isso é inseparável a história de ambos.


Bikodisse: Sua adaptação no Brasil foi difícil? Quais semelhanças foram notadas entre a cultura guineense e a baiana?

Augusto Cardoso:
A mudança de um continente para o outro sempre é difícil e não foi diferente comigo, tive dificuldades de adaptação sim, mas pouco a pouco foi me socializando com a cultura brasileira. Algumas coisas eram estranhas para mim, mas não chegaram a causar problemas. O primeiro contato com o solo brasileiro foi em São Paulo, passei dois meses lá e vim para a Bahia. Ao chegar à Bahia me parecia que estava em um país africano ou num pedaço da África. Primeiro a hospitalidade baiana é uma coisa guineense, acredito que muitos baianos vieram da guiné. Temos hábitos de brincar entre nós (guineenses), de chamar as pessoas aqui na Bahia de acordo com a semelhança fisionomica étnica guineense. Muitos se parecem com Bijagós, Balantas, Fulas, Mancanhas, Biafadas entre outras, mas para mim é um jeito de auto-afirmação de que os baianos são nossos parentes na diáspora. Essa semelhança acontece em várias áreas: no dançar, no jeito de cantar, na gastronomia, etc. Sinto-me em casa, os meus amigos zombam de mim quando falo que sou baiano, mas eu acredito nisso. Temos muitas coisas comum, parece que os europeus não conseguiram tirar a África de dentro dos que vieram, pois os dois continentes continuam unidos socioculturalmente e sócio espiritual. Infelizmente, a Bahia é o estado com menor número de estudantes africanos.

Bikodisse: Os governantes do seu país o ajudaram de alguma forma? Quais as maiores dificuldades encontradas nesse período aqui no Brasil?

Augusto Cardoso: Infelizmente me dá dor na alma quando falo do meu governo, pois é orgulho de qualquer cidadão sentir-se amparado e representado por seus governantes. Nunca tive ajuda do meu governo em nada, estudei por conta própria, até hoje não sei como consegui isso, mas não há nada na vida como a determinação, a fé e a certeza daquilo que queremos ser ou fazer, essa força interior é que me move, claro apoiado e motivado em outros objetivos de fazer parte do grupo de futuros gestores da minha pátria amada, Guiné-Bissau. Mas como NINDO (Deus) é comigo, muitos amigos e instituições, em especial a Biko, me deram bastante apoio neste caminho, eu aproveitei essa oportunidade e estou chegando onde sonhei estar um dia, claro que falta ainda muita coisa a fazer, mas eu tenho a certeza que estou no caminha certo.


Bikodisse: Você pensa em retornar para Guiné-Bissau?

Augusto Cardoso: Claro que sim, não existe melhor lugar no mundo que a nossa casa, nosso país, Guiné-Bissau i kasa ku no djunta (Guiné-Bissau é a nossa casa) onde eu devia estar, mas nem sempre as coisas acontecem como queremos, creio que em breve estarei de volta.

Bikodisse: De que forma você, pretende contribuir para a melhoria da qualidade de vida de seus conterrâneos?

Augusto Cardoso: Isso é relativo, pois qualidade de vida, para mim, é um conceito ocidental. Quero fazer parte do desenvolvimento do país, esse é o meu sonho, o sonho da nossa geração, por isso estou aqui me socializando com o mundo globalizado, para que amanhã eu esteja em condição de oferecer o melhor serviço à nação. Guiné-Bissau é um país rico em tudo, tanto em recursos naturais quanto humanos, mas hoje essas riquezas estão sendo mal aproveitadas pelos que detêm o aparelho administrativo guineense. Infelizmente o aparelho da governança guineense está entregue aos corruptos e inimigos da nação. O pai da nossa nação, Amilcar Cabral, falou a seguinte frase: “a nossa luta não era somente a independência ou de tirar o tuga (colonizadores) no solo guineense, mas também de entregar o poder ao povo guineense”, isso ainda não foi conseguido, pois o poder continua nas mãos dos antigos combatentes e mercenários do país. Mas enquanto o território pertencer aos guineenses, teremos a certeza de que a segunda parte da profecia do pai da nação será efetivada na Guiné.

Bikodisse: Como você conheceu a Biko?


Augusto Cardoso: É muito bom lembrar do primeiro dia que tive contato com a Steve Biko. Foi através de Ivete Sacramento, antiga Reitora da UNEB, ela me indicou a Biko, ainda tenho o cartão que ela me deu com o seguinte dizer: oi, pessoal de Steve Biko. Apresento-lhes o irmão de Guiné-Bissau, Augusto Cardoso. Meu abraço. Ivete Sacramento. 21/05/2002. Desde daquele dia até hoje a minha vida nunca mais foi a mesma, o nosso encontro (eu e Biko) deu certo e se tornou um amor prefeito que terminou em casamento, claro que a minha presença no instituto não é diária, mas sou Bikudo todos os dias, pois essa entidade me ensinou a ser Negro e líder Negro.


Bikodisse: Qual a sua opinião sobre o Pré-vestibular Steve Biko. e de que forma esse projeto contribuiu em sua vida pessoal e acadêmica?
Augusto Cardoso: Não tenho palavras para descrever a grandiosidade e qualidade dessa instituição nessa área. Na qualidade de um Guineense que veio para Bahia a fim de estudar num quadro de convênio entre duas nações que não deu certo, mas graças a Biko tive um pré-vestibular de graça, onde aprendi não só o caminha da entrada na Universidade, mas também a ter consciência negra. Essa é para mim a âncora ou a pedra fundamental da edificação do pré-vestibular Steve Biko. A Biko abriu portas para mim e me mostrou, através do cursinho de pré-vestibular, que é possível sim alcançar os meus objetivos, não só isso, essa Instituição me fez cidadão mundial-negro através de uma disciplina chamada Cidadania e Consciência Negra, recomendo essa disciplina a todos os baianos, ela virou a minha cabeça e me fez um homem com os pés firme no chão, confiante nas coisas que quero. O papel dessa disciplina é fundamental na formação de qualquer pessoa que passa pela Biko, sendo ele africano ou de qualquer outra parte do mundo, pois ensina a consciência negra, porque nem todos os negros têm a consciência negra, eu aprendi com Biko a ter essa consciência e a ser negro. Hoje posso dizer a mesma coisa para todos aqueles que almejam um curso superior, técnico, ou qualquer outra formação, que é possível sim, basta acreditar e levar a sério, pois a Biko faz a parte que lhe cabe fazer, a outra é de nossa responsabilidade. A minha vida acadêmica e o meu sucesso nessa empreitada do saber ocidental, devo a Biko. Biko não é simplesmente cursinho de pré-vestibular é uma entidade sociocultural, política e religiosa a minha opinião é que deve continuar assim. Por esses e outros motivos agradeço a Biko e toda a sua equipe, que dedicam tempo e dinheiro para formar o povo negro, seja ele Brasileiro, Africano ou de qualquer outra parte do mundo, pois O SABER BIKUDO não é ter ou saber muito, mas fazer uso inteligente e consciente do que se tem e do que se sabe.


Bikodisse: Após participar do Pré-vestibular Steve Biko você foi selecionado para a primeira turma do POMPA (Projeto Mentes e Portas Abertas) em 2004, cujo principal objetivo é a formação de jovens lideranças negras. Qual aprendizado dessa experiência?



Augusto Cardoso: A minha participação na primeira turma do Projeto Mentes e Portas Abertas–POMPA em 2004, teve inúmeros aprendizados. Como todos sabem, o objetivo do projeto era, e é, a formação das lideranças jovens negras, acredito que todos nós que passamos por esse projeto nunca mais seremos as mesmas pessoas.





Bikodisse: É verdade que você está se preparando para ser Presidente da Guiné Bissau?
Augusto Cardoso: Que pergunta. Claro que isso é verdade. Gostaria de ser o gestor número um da minha nação, pois acredito que somente assim estarei realizando a vontade e sonho meu e de todos os guineenses. Quero fazer parte dos futuros gestores da Guiné-Bissau, e essa realidade me move e leva-me a pensar no cargo mais importante de um país, mas isso não significa que não sonho com outros cargos, como o de primeiro ministro ou de ministro de administração interna. As minhas ambições estão em servir o país e dar o rumo e lugar que a Guiné-Bissau merece nesse mundo globalizado, não o que o país ocupa hoje.

Bikodisse: Qual a linha de pesquisa do seu mestrado?

Augusto Cardoso: A linha de pesquisa do meu mestrado é poder e organizações. Com o tema: Saberes e práticas tradicionais da etnia bijagós e suas relações com a organização, a gestão e a conservação da biodiversidade na Guiné-Bissau.
Dentro desta problemática, busco analisar qual é a relação entre a sociodiversidade e a biodiversidade no âmbito dos saberes e práticas tradicionais dos espaços e dos recursos que estão associados à cultura étnica Bijagós no atual contexto de globalização. Neste contexto, procura-se caracterizar a maneira como os guineenses se estabeleceram como povo e os primeiros contatos interétnicos entre os nativos da Guiné-Bissau e os portugueses “invasores” que desembarcaram na costa ocidental da África, com finalidade de conquistar novas terras para a coroa portuguesa.
Abordando também o modo como o estado guineense tem formulado, criado e implementado os instrumentos legais de gestão do saber tradicional e a conservação da biodiversidade no Arquipélago dos Bijagós.
Partido do entendimento de que Saberes e Práticas Tradicionais Bijagós, associados à biodiversidade, vão desde as técnicas de manejo de recursos naturais, alimentícias e agrícolas de espécies, métodos de caça e pesca, conhecimentos sobre os diversos ecossistemas e sobre propriedades farmacêuticas, até as próprias categorizações e classificações de espécies de flora e fauna utilizadas pelas populações tradicionais bijagós. Tendo em conta que os saberes e práticas tradicionais Bijagós são conhecimentos produzidos a partir de atividades e práticas coletivas.


Bikodisse: Conte-nos um pouco dessa conquista.
Augusto Cardoso: A conquista é nossa: minha, da Guiné-Bissau, da Biko e de todos aqueles, que de um modo ou de outro, participaram e me apoiaram nesse caminhada espinhosa que é a academia. Foi duro, mas estamos aqui no curso de Administraçao-Ufba, fazendo aquilo que almejamos ser um dia, pois, dianti ki kaminhu.


Bikodisse: O Instituto Steve Biko tem a visão de constituir-se numa Instituição de Ensino Superior (IES) em 2012. Como você se vê nesse processo?

Augusto Cardoso: Para mim já passou da hora disso acontecer, a experiência do Instituto Steve Biko em diversas áreas, é mais que suficiente para torná-lo: UniBiko, mas vamos seguir firmes, começando com a Instituição de Ensino Superior. Vejo esse processo como continuação daquilo que tem sido feito pelo Biko e sei que essa instituição será um marco referencial para as outras entidades brasileiras.


Bikodisse: Que conselhos você dá para outros jovens africanos que pensam em estudar no Brasil?
Augusto Cardoso: Que nunca deixem de ser africanos, que sejam orgulhosos em se identificar como tal, que sejam sempre humildes e atentos á todas as oportunidades que a vida oferece neste país e que aproveitem a estada para aprender com os brasileiros, principalmente com as Lideranças Negras, pois esses têm muito a nos ensinar (é uma outra experiência de negritude), que não fiquem trancados na academia, e lembrem que o objetivo é retornar e ajudar na reconstrução de nossos países e do nosso querido continente.







quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Bikodisse Entrevista: Daniel Nascimento e Leonardo Vieira


BIKO DISSE: "A Consciência Negra é, em essência, a percepção pelo homem negro da necessidade de juntar forças com seus irmãos em torno da causa de sua atuação – a negritude de sua pele – e de agir como um grupo, a fim de se libertarem das correntes que os prendem em uma servidão perpétua."



Bikodisse: Conte-nos um pouco como foi o processo de seleção para a Morehouse.


Daniel Nascimento: Os docentes de Sociologia, Drª Ida Mukenge e Dr. T. L. Mukenge, da Morehouse College, com a missão de recrutar estudantes negros estrangeiros, para estudar nos Estados Unidos, criaram uma parceria com o Instituto Cultural Steve Biko, através do Diretor executivo Sílvio Humberto. Os candidatos a ocupar essas vagas e receber a bolsa integral de estudos, foram selecionados de acordo com os seus desempenhos em sala de aula e com o compromisso de cada um perante a comunidade negra de Salvador. Fui aluno do projeto Oguntec. Leonardo Vieria participou do pré-vestibular intensivo da Biko e Rogério Caldas fazia parte da turma integral do pré-vestibular. Cada um fazia parte de um projeto diferente.



Leonardo Vieira: O processo de seleção foi feito por diretores e professores do Instituto Steve Biko, que nos avaliaram de acordo com o nosso desempenho nos estudos e compromisso com a instituição. O interessante desse processo é que nós não conhecíamos o idioma inglês. No entanto, Dr. Sílvio Humberto acreditou em nós, em nossos esforços e na possibilidade de que essa oportunidade abriria portas para muitos outros estudantes da Biko.



Bikodisse: Qual a importância da Biko em sua vida pessoal e acadêmica?


Daniel Nascimento: A Biko teve uma importância fundamental em minha vida pessoal e em meu desenvolvimento nos estudos. Além disso, foi através do Instituto que pude conhecer os valores da cultura africana. Com a disciplina CCN – Cidadania e Conciência Negra, pude desenvolver o meu senso crítico, o que me ajuda até hoje na vivência numa instituição negra dos Estados Unidos.



Leonardo Vieira: O instituto Steve Biko foi e é muito importante em minha vida pois, através dele, pude aprender mais sobre mim mesmo e me afirmar como Homem Negro. Antes da Biko, não conhecia os meus ancestrais, estava vivendo sem ter consciência dos problemas raciais ao meu redor. O Instituto não apenas ajudou na formação de minha consciência e afirmação, mas também na minha intelectualidade, já que lá me ajudaram a ver que eu poderia e deveria ingressar na universidade, que eu tinha que retomar o que foi tirado da comunidade negra brasileira. Como estudante egresso do pré-vestibular, a minha vida acadêmica melhorou muito, me senti mais preparado para enfrentar os vestibulares.


Bikodisse: Que curso de graduação você escolheu? O que o influenciou nessa escolha?


Daniel Nascimento: Terminei, agora em 2010, o curso de Ciências Gerais aqui na Morehouse College, que é requerimento para o ingresso numa Universidade de Engenharia (as que têm parceria com a Morehouse), através de um programa em que obtemos dois diplomas em 5 ou 6 anos.

A vontade de estudar na área de ciência e tecnologia surgiu a partir de meu desempenho em Matemática, Física e Química no Ensino Médio. No entanto, optei por fazer um curso na área de exatas: Engenharia Elétrica. Os professores do projeto Oguntec tiveram uma participação fundamental nessa escolha.



Leonardo Vieira: Eu quis em cursar História, porque tinha muita vontade de aprender mais sobre a história da população negra, até pensava em escrever um livro sobre @s negr@s. No entanto, quando completei a minha inscrição para a Morehouse, tinha marcado Psicologia. Então, percebi que tinha vontade de explorar a área da saúde mental e a escravidão psicológica.
Me formei em Sociologia com ênfase em Saúde Pública. A escolha do meu curso foi influenciada pelos problemas sociais impostos à população negra. Como sociólogo, pretendo incorporar a história e a psicologia em prol de melhorias para a comunidade negra, através da implementação de programas sociais que sejam voltados à inclusão de negros e negras nas áreas de liderança.



Bikodisse: De que forma você pretende contribuir para a redução das desigualdades sociorraciais do Brasil?


Daniel Nascimento: O meu objetivo é me preparar para o ensino na área de ciência e tecnologia. Pretendo ser docente de Universidades e Organizações não governamentais, brasileiras. Também desejo, através do Instituto Cultural Steve Biko, proporcionar a jovens negros e negras o mesmo sucesso que tive. O meu compromisso é desenvolver projetos sociais focados na educação para os jovens da comunidade negra, no intuito de despertar suas criatividades e talentos, conduzindo-os às Universidades e Faculdades.


Leonardo Vieira: Como disse anteriormente, pretendo me dedicar a programas sociais que busquem a inclusão de negr@s em áreas de liderança, em posições em que nós possamos ser contribuidores ativos, e não apenas coadjuvantes. Também planejo, através do meu conhecimento acadêmico e de meu domínio da língua inglesa, estreitar as relações internacionais, buscando, em outros países, o patrocínio para os programas da comunidade negra brasileira.


Bikodisse: Que conselho você dá para os três bikudos que irão para a Morehouse em Junho de 2011?

Daniel Nascimento: Os futuros estudantes bikudos na Morehouse devem ter em mente que o sistema educacional norte-americano é muito rigoroso, o oposto do que vivemos no Brasil. Vocês devem estudar para aprender independentemente das disciplinas, se dedicar sem limites, porque o estudo é uma “odisséia”. Perseverança e força de vontade são imprescindíveis, além da consciência de que a sua integridade e o bom desempenho, farão com que outros jovens tenham a mesma oportunidade. O seu sucesso na faculdade representa o sucesso da comunidade negra brasileira, o sucesso do Instituto Steve Biko.

Leonardo Vieira: Muita garra e determinação, pois o que é de vocês, ninguém pode tirar. Vocês terão que dar o máximo de si. Aproveitem bastante as oportunidades que vierem em seus caminhos, e estudem, estudem muito. Sei que a pressão neste momento é muito grande, mas não se preocupem, porque ela é passageira.

Comente um pouco a sua adaptação com a cultura estadunidense.

Daniel Nascimento: A vida de estudante numa Instituição fora do Brasil é muito diferente. Demorou um pouco para que eu me adaptasse, o calendário norte-americano não tem muitos feriados nem paralisação do sistema educacional, como estamos acostumados a ver no Brasil. Aqui as escolas só param de funcionar quando acontece alguma catástrofe natural, como os tornados e a neve intensa.

Durante esse tempo, aqui na Morehouse, já virei noites estudando em grupo, e aqui isso é normal, independentemente do curso. Geralmente, temos muito estudo e pouca diversão. No entanto, adaptei-me muito bem a essa nova rotina estudantil e com a cultura do país. Em um semestre, já conseguia me sentir bem.


Leonardo Vieira: Na verdade, ainda não me adaptei à cultura daqui. Infelizmente, os norte-americanos são muito individualistas. Falo apenas da área que pude conhecer do país, a cidade de Atlanta em Georgia, onde aprendi a lidar com as diferenças culturais. Uma das coisas muito aplicadas pelas pessoas aqui é o espaço pessoal (personal space), ou seja, todos devem ficar a mais ou menos um metro de distância uns dos outros. Essa foi uma das adaptações mais complicadas para mim, pois no Brasil não temos essa preocupação em estar próximos das pessoas. O senso de comunidade por aqui ainda está corrompido por causa da individualidade de algumas pessoas.



A Morehouse pode servir como exemplo para a criação da Faculdade Steve Biko? De que forma?

Daniel Nascimento: Acredito que a experiência adquirida aqui na Morehouse College poderá ser útil para a Faculdade Steve Biko, em Salvador. As instituições não governamentais devem buscar parcerias, realizar projetos sociais e angariar recursos para construir a Faculdade Biko. Também acredito que seja válido que estudantes da Faculdade Biko possam realizar serviços voluntários nas comunidades e escolas públicas, representando a Instituição, inclusive nos meios de comunicação. Penso que, para a concretização do sonho da Faculdade Biko, seja necessário que Ongs e ativistas do movimento negro juntem forças e estabeleçam contato com grandes empresas nacionais e internacionais. Mas, antes de mais nada, é importante que os alunos, professores e todos que hoje fazem parte da Biko demonstrem eficácia e se empenhem na busca de doações e parcerias.


Leonardo Vieira: A Morehouse é voltada para a comunidade negra, a maioria dos estudantes é negra. Aqui temos vínculos com sociedades civis, na qual estudantes participam de eventos que beneficiam a comunidade negra local, através de serviços voluntários e de discussões com outros jovens da periferia, mostrando para esses jovens os benefícios do ensino superior. Acredito que a Morehouse é um exemplo a ser seguido para a criação de universidades voltadas para a população negra. Só através da educação, em especial do ensino superior, será possível criar espaços para a ascensão social dos negr@s.


Bikodisse: Que modelo de faculdade, tomando como base a Morehouse, seria interessante aplicar no projeto da faculdade da Biko?

Daniel Nascimento: A Morehouse dá oportunidade a jovens negros ingressarem na faculdade, sem distingui-los por seus grupos étnicos. A faculdade Steve Biko deve implementar um sistema educacional que inclua artes liberais, ou seja, conhecimentos gerais. Um sistema em que todos os estudantes possam cursar uma ou duas matérias de cursos diversos, além de disciplinas específicas de seu curso, interligando exatas com humanas, tornando o ensino mais dinâmico e interdisciplinar. O serviço voluntário também poderia ser utilizado como método de avaliação. Os estudantes desenvolveriam projetos sociais e fariam trabalhos em Ongs e escolas públicas durante o ano acadêmico.

Leonardo Vieira: Um modelo em que o aprendizado e a prática do ensino sejam equivalentes e tenham a sua importância reconhecida. Onde professores e alunos possam trocar experiências pessoais, para resolver problemas em comum. Um modelo em que o ensino da história da população negra seja utilizado como ferramenta de empoderamento pessoal. Esse pensamento é coletivo e trará benefícios para toda a população. A maioria dos eventos realizados pela Morehouse, como a cerimônia de boas vindas, é ligada à ancestralidade negra, e nesses eventos ocorrem rituais africanos.