quarta-feira, 16 de junho de 2010

Bikodisse Entrevista: Aline Nepomuceno

Biko Disse:"o racismo não implica apenas a exclusão de uma raça por outra - ele sempre pressupõe que a exclusão se faz para fins de dominação"

Nesta nova edição temos a ilustre participação de Aline Nepomuceno. Bikuda desde 2003, quando participou do curso Antirracismo e Direitos Humanos, ela fala sobre sua atuação como atriz e militante do movimento negro.
Para nós, Aline é um exemplo de superação a ser seguido por muitos jovens negr@s que pretendem seguir carreira artística, sem esquecer a importância dos valores ancestrais.


Bikodisse: Ser atriz é um sonho de infância? Como e quando começou sua carreira?

Aline: Não. Na verdade a vontade de atuar veio repentinamente quando eu tinha doze anos de idade, ao participar de oficinas oferecidas em minha comunidade, já que o meu bairro possui um grande teatro, que é o ICEIA. As oficinas de teatro e dança afro foram as principais responsáveis para o meu primeiro contato com a arte. É importante ressaltar que Luciana Souza, a dona Joana de” Ó paí ó”, me proporcionou esse encontro com a arte. Ela é a figura primária que contribuiu para meus passos iniciais.

Bikodisse: Você participou do Núcleo de Antirracismo e Direitos Humanos da Biko. As aulas e discussões contribuíram para sua formação política?

Aline: Sem dúvidas. Esse lugar me fortaleceu como mulher e negra. Contribuiu de forma muito positiva na minha formação, política, étnica e moral. Mostrou-me que sou linda com meus cabelos crespos e avantajados, desmistificou as ideologias que a sociedade racista tinha formado na minha cabeça, reacendeu a minha autoestima, me orientando a posicionar-me na sociedade.

Bikodisse: O "Eu Negro" foi um projeto elaborado e implementado por Jovens Promotores em Antirracismo e Direitos Humanos da Biko. Quais as principais ações desse projeto? Qual aprendizado dessa experiência?

Aline: Esse projeto foi um desafio. Pois se tratava de jovens bikudos e ousados a levar para a comunidade do Cabula, um curso de antirracismo e direito humanos engajado com algumas oficinas artísticas, para contribuir de forma muito positiva na mediação desse projeto. O curso proporcionou através do hip-hop e da poesia que era o nosso foco, uma visão mais ampla da nossa sociedade, abordando temas como: a ideia do conceito de raça, formação étnica, miscigenação no Brasil, desigualdade racial, gênero, direitos humanos etc. A nossa juventude tem muita força, e isso para mim foi o desafio maior, primeiro por que tratava de jovens para jovens, depois tratava de jovens da periferia e de escola pública de salvador. A experiência de estar em sala de aula, eu vou levar por toda a minha vida – saber que contribui para a formação de alguns educandos.

Bikodisse: "Ó Paí ó" projetou sua carreira nacionalmente. Como foi a seleção para interpretar "Dandara"? A sensualidade da personagem pode ser confundida com a erotização da mulher negra brasileira?

Aline: A seleção aconteceu aqui em Salvador no Forte do Barbalho, fiquei sabendo por uma amiga, fiz o teste com várias candidatas, depois de uma semana a Dueto filmes me liga para que eu viajasse para o Rio de Janeiro, para fazer a segunda etapa do teste com Lázaro Ramos, depois de uma semana me ligam novamente com a notícia de que a personagem era minha. Depois só ensaio e estudo da personagem, pois estava inserida em um contexto do qual eu não tinha domínio, pois TV é muito diferente do teatro. Mas foi uma experiência espetacular, trabalhar com Lazinho e o Bando de Teatro do Olodum. Foi um aprendizado. Fazer a Dandara foi um presente, mas não foi fácil, primeiro porque tratava de uma mulher com a sensualidade aflorada, pouca roupa e cenas quentes, digo que pra mim foi um desafio. Importante ressaltar que muitas vezes a personagem é confundida com a atriz, e eu ficava muito atenta na rua, quando as pessoas reconheciam se referiam: como ela dança bem, como ela é gostosa, e isso pra mim é grave, porque eles já criam um estereótipo que a mulher é daquele jeito que vê na TV, e não lembra que é ficção, e acabam confundindo, que a mulher baiana é daquele jeito, que é gostosa, tem o bumbum torneado e outras coisas. Só que em 2009, com a segunda temporada a personagem ganha mais força, identidade e vigor, ou seja, o “eu atriz” ganhando espaço para compor e defender a personagem com outra dimensão. Coisas defendidas por nós do elenco em geral.

Bikodisse:
Cantar Hip- Hop na Banda "Hera Negra" é mais uma forma de expressar sua indignação frente às desigualdades raciais e de gênero? Como foi formada a Banda?


Aline: Sim. Na verdade a banda já existia quando eu entrei. A primeira formação era composta por: Ana Paula Azeviche, Negramone e Sads, ou seja, todas elas faziam parte do CRIA (Centro de Referência Integrada de Adolescente) ,o surgimento veio de lá ,dessas bandas,depois veio a segunda formação, Paulinha sai do grupo,aí entra Alexandra e depois Tuca.Adorava vê-las tocando,na verdade eu era atriz do grupo ,elas só me chamavam para fazer Oxum, rsrsrsrsr. Portanto, eu e minha cara de pau fizemos o convite, e a terceira formação era composta por Tuca, Sads e Chinegra, ufa!...
Eu costumava dizer à Sads - essa é a Hera Negra da resistência. Tuca sai, e fica a dupla, lutamos muito, mas tomamos rumos opostos, porém eu ainda acredito na chama viva da Hera,acredito que um dia vamos voltar, porque o rap é nosso aliado.

Bikodisse: Atualmente você faz o curso de Licenciatura em Teatro na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Que conselhos você dá para outr@s jovens negr@s que querem prestar vestibular para esse curso?

Aline: Façam aquilo que vocês acreditam e não por dinheiro. Eu faço licenciatura porque eu quero atuar em sala de aula, em escola pública, pois eu acredito na arte que transforma, e, é isso que eu faço no subúrbio ferroviário de Salvador, no total são quatro turmas: três de adolescentes entre quinze a dezessete anos e uma de crianças entre quatro e cinco anos. Levo para essas pessoas a educação de forma atrativa e criativa, utilizando o teatro como elemento principal de transformação, pois eu acredito na ARTE que transforma. Assim como a Escola criativa Olodum, Steve Biko, CRIA (Centro de Referência Integrada de Adolescente) e Liceu de Artes e Ofícios, contribuíram para minha formação. Não tenho vergonha de dizer que fui menina de ONGs. .

Bikodisse: Você escreve poesias e músicas. O que você pode nos falar sobre a "Aline autora". De onde vem inspiração?

Aline:
A Inspiração disso tudo vem de um grande poeta, que me disse uma vez “todo mundo escreve, todo mundo é poeta”. Ele realmente tinha razão, comecei a escrever demasiadamente. O principal responsável que me transformou em poetiza foi o grande ZECA DE MAGALHÃES, meu mestre, me inspirou a escrever e recitar nas praças públicas denunciando as mazelas da sociedade através das palavras.

Bikodisse:
Qual a sua opinião sobre a luta da Biko na erradicação das desigualdades sócio-raciais?

Aline: Essencial e de suma importância, principalmente para essa geração de agora.

Bikodisse:
Você acredita que houve um avanço nos meios de comunicação no que tange a visibilidade do negro?

Aline: Melhorou, mas ainda não é o suficiente, entre tantos somos poucos mostrados, por exemplo, em uma novela que leva um núcleo com mais ou menos 90 atores, a quantidade de negro varia entre dois a três, que pra mim é absurdo.

Bikodisse: De que forma o acúmulo de experiências com organizações do movimento negro contribuiu para sua atuação como educadora social?

Aline:
Como disse anteriormente, sou menina de ONGs e tudo que eu conquistei de certa forma foi através dessas instituições, das quais eu passei, que me deram alicerce para chegar onde estou chegando.

Bikodisse:
Diante da sua experiência no diálogo com a Juventude negra baiana, qual proposta que você encaminharia para os poderes públicos para combater o atual quadro de violência contra esse seguimento?


Aline: O problema do mundo é a educação que não é projetada de forma devida. Acredito empessoas, pois a arte é elemento fundamental de modificação, transformação. A arte nos proporciona uma visão geral do mundo, nos torna mais perceptíveis, aguça os nossos sentidos, sei que sou suspeita de falar, mas foi a partir dessa arte que me tornei quem sou, não sei se escolhi a arte, ou ela que me escolheu. Como diz Paulo Freire "quem forma se forma e re-forma ao formar, e quem é formado forma-se e forma ao ser formado". Esse é o meu objetivo como professora de teatro; formar meus alunos, não no sentido da forma - injetar uma verdade e pronto,é dar subsídios para a construção do individuo, e, ao mesmo tempo em que se formam eu me formo também. Com certeza o índice de extermínio da juventude negra e o quadro dessa guerra sangrenta dos últimos tempos em nossa terra irão diminuir, quando os homens de poder investirem em arte-educação.

8 comentários:

  1. Sem comentários. Conheço essa menina desde o berço e tudo que ela fala procede da forma incisiva , quando se trata de negro e sociedade alicercados numa base incomum de resistência.

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  2. Parabéns! Não conhecia a sua trajetória, apenas o seu trabalho como Dandara. Admiro-a mais ainda.

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  3. Muito bom gostei do blog
    e da entrevista com Aline
    parabéns.
    Questão 8

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  4. Muito bom a matéria.Tem que acontecer mais vezes essas entrevistas,pois,é dessa maneira que podemos influenciar positivamente nossos jovens!!!!!Parabéns Aline,e todos(ONG'S) que ajudaram no progresso de mais uma jovem negra.

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  5. Amei a entrevista....
    Essa mulher é uma GUERREIRA.... estou firme e forte com você....
    Te amo AMIGA!

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  6. Êa Aline! Sou mesmo um fã dessa guerreira e acompanho à meia distancia o seu desenvolvimento como algo que nos fortalece e encoraja a seguir nossas jornadas. A sua trajetória, o seu brilho nos enche de orgulho. Passar pelas trevas sem deixar ofuscar esse brilho não é pra qualquer um... tem que ser pra não titubear frente o veneno que amargamos cotidianamente nas favelas soteropolitanas... Aline, parabéns pelo seu corre... continue na mesma pegada!

    Na fé e sempre em guarda,

    Lio Nzumbi

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  7. oi aline lebra de mim o menino que vc deu autógrafo do anisio teixera meu nome é wesley santos gerreiro olha eu só seu fá vc pode mim add no orkut wesley_16tdb@hotmail.com..ou msn wesleytdb@hotmail.com beijossss wesley

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