sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Bikodisse Entrevista: George Oliveira




BIKO DISSE: "Há uma certa verdade quando se diz que muitas pessoas podem afirmar uma mesma coisa de modos diferentes porque a encaram de ângulos diferentes."

“A Biko é responsável pelo que sou hoje!”. É com essa frase que o jovem George Oliveira credita ao Instituto Cultural Steve Biko a vitória de suas conquistas pessoais, acadêmicas e profissionais. De aluno a gestor administrativo, George completa em janeiro de 2011, 10 anos dentro da organização, que, segundo ele, deve ser referência para a vida dos jovens negr@s que buscam um novo caminho.



Bikodisse: Como começou sua história na Biko?


George Oliveira: Quando terminei o ensino fundamental (antigo primeiro grau), ingressei num curso técnico em contabilidade e pensava como a maioria dos jovens negros: ”trabalhar para ajudar em casa e ter meu próprio dinheiro para não precisa pedir dinheiros aos meus pais.” Deparei-me com um mercado altamente competitivo, já que na época os cursos técnicos formavam centenas de jovens por ano. Outro fato importante é que não tinha experiência na área, mas como teria se as empresas não davam oportunidade? Daí continuei trabalhando no restaurante que minha família tinha. Em 2000, fiz um curso de cozinheiro no SENAC e saí de lá empregado num hotel em Ondina. Usei a estratégia de fazer um curso profissionalizante que não demorasse muito, gratuito, e que me desse um retorno financeiro rápido. O que deu certo. Em menos de sete meses já ganhava o suficiente para custear meus estudos e ter bastante tranqüilidade para poder estudar e ajudar nas despesas da família. Eu já conhecia a Biko pela TV e um amigo (Danilo), me deu a ficha de inscrição para o pré-vestibular. Isso em janeiro de 2001. No outro dia fiz a inscrição e passei na seleção para o cursinho. Dos três vestibulares que fiz, fui aprovado na UNEB (administração, no campus da cidade Santo Antonio de Jesus) e na UFBA (Ciências Econômicas). Sou primeiro membro de toda minha família a ingressar na UFBA. Devo isso a Biko!

Bikodisse: Por que você escolheu essa área? Na sua escolha, você já objetivava utilizá-la para interferir na vida de jovens negros(as)?

George Oliveira: Eu vim pra Biko atraído pelo baixo preço da mensalidade e por ouvir falar que era um bom cursinho. Nem imaginava o que era consciência negra, antirracismo, direitos humanos. Foi um ano de mudanças e de muitos conflitos. Por causa do curso de cozinheiro que tinha feito no SENAC, pensei em fazer vestibular para nutrição, mas logo desisti porque química e biologia nunca foram disciplinas que gostasse. No curso técnico de contabilidade, as áreas de saúde e ciências naturais ficam para último plano. Ainda no ensino médio, tive um professor de economia chamado Nilton. Os temas das aulas ministradas por ele faziam parte do nosso cotidiano: mercado de trabalho, inflação, bancos, desemprego. Era um professor muito inteligente e tinha domínio dos mais variados assuntos. Isso me motivou a escolher o curso de economia. Tinha vontade em ajudar a mudar o mundo, mas não sabia como e não achava que ingressar na faculdade seria o melhor caminho, até porque não pensava em ter nível superior. A Biko me mostrou um caminho novo. Onde minha autoestima foi elevada, passei no vestibular, conheci a história dos povos africanos que foram trazidos para o Brasil e a luta para combater o racismo passou a fazer parte da minha vida.

Bikodisse: Seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi sobre a Biko e seus alunos. Fale sobre sua pesquisa e quais foram os resultados obtidos nela?

George Oliveira: O título do trabalho monográfico que desenvolvi foi: "Análise dos Impactos Sócio-Econômicos e Culturais das Ações do Instituto Steve Biko no Vestibular da Ufba". Enfrentei algumas dificuldades para conclusão desse trabalho, uma delas foi a falta de dados no Instituto sobre os estudantes egressos. Tive que construir um estudo inicial para os anos da pesquisa e a cada entrevista, atualizava essa tabela com novas informações sobre @s bikud@s que ingressaram na Ufba entre 2005 e 2008. Em cada conversa pude perceber que as história eram parecidas com a minha, em muitas fiquei emocionado e pude ver o brilho nos olhos dos entrevistados, quando perguntava sobre a Biko. Através da pesquisa foi possível confirmar o ótimo trabalho que desenvolvemos. Nesse trabalho, consegui fazer três coisas que não são comuns entre as monografias que conheci na Faculdade de Ciências Econômicas: A primeira delas é falar sobre questões raciais. Durante o curso aprendemos que as desigualdades são de cunho social. É tudo culpa da pobreza e os estudantes que acham que temos problemas raciais, estão equivocados. Em alguns momentos, eu olhava pela janela da faculdade e procurava os brancos pobres na Praça da Piedade e não os encontrava. Parece que o prédio da faculdade é um mundo diferente do mundo da Praça por onde todos nós passamos todos os dias. O segundo ponto diferente foi o fato de aplicar um questionário qualitativo e quantitativo, em que os egressos da Biko tiveram voz ao relatarem suas histórias. E o terceiro e último, esse muito me inquietava, é que a maioria das monografias são apresentadas numa sala da faculdade, para meia dúzia de pessoas e depois são arquivadas na biblioteca. Sugeri ao orientador, Prof. Henrique Tomé, e aos dois membros da banca que a apresentação do resultado fosse feita durante a aula do pré-vestibular da Biko. E assim foi apresentada, no dia 31 de julho de 2008, quando a Biko comemorava dezesseis anos, para os 60 estudantes da turma matutina e mais vinte convidados.

Bikodisse: Hoje você faz parte da Biko como gestor. Como foi isso?

George Oliveira:É uma longa história (risos). As aulas de CCN do pré-vestibular Steve Biko foram de extrema importância para minha formação política, cidadã e como militante. Aprendi muito e cresceu um sentimento de contribuir para que outros jovens negros ingressassem nas universidades. Após minha aprovação no vestibular da UFBA, tive que aguardar seis meses até iniciar o semestre. Nesse período iniciei trabalho voluntário na Biko. Além do sentimento de colaborar, me sentia na obrigação, já que não paguei as últimas mensalidades do cursinho, devido à opção que fiz em abandonar o emprego e dedicar-me com mais intensidade aos estudos nos meses que antecederam os vestibulares. Daí não parei mais: voluntário, estagiário, assistente financeiro, coordenador financeiro e atualmente gestor administrativo do Instituto.

Bikodisse: Você coordenou a primeira turma do OGUNTEC. Como foi essa experiência?

George Oliveira: A minha função era como assistente administrativo e financeiro. Foi o primeiro projeto que atuei como membro da coordenação. Uma valiosa experiência! Em 2002, a Biko iniciou a primeira turma do projeto Oguntec, que foi idealizado por Lázaro Cunha. Além de nós dois, Rosângela, que hoje mora na Inglaterra, fazia parte da coordenação pedagógica. Logo depois, Andréia, Janete e Cristina assumiram a coordenação pedagógica do projeto. Passamos dificuldades financeiras durante os primeiro anos. Tínhamos a ideia que iniciar o projeto contribuiria para a captação de recursos. O apoio financeiro chegou após três anos, em 2005. Mais de 200 jovens já passaram pelo projeto Oguntec.


Bikodisse: Conta como foi sua participação no programa de apoio a estudantes negr@s "Projeto Tutoria - A Cor da Bahia"?

George Oliveira: Fui selecionado para receber um auxílio financeiro para permanência na UFBA. Esse projeto contribuiu para que dezoito jovens negr@s e oriundos de escolas públicas tivessem um apoio nos três primeiros semestres do curso. Nos reuníamos às sextas-feiras para debates e palestras sobre temas ligados à questão racial. Possivelmente, se não tivesse tido esse auxilio, teria desistido do curso. Nos dois primeiros semestres, as aulas eram distribuídas em três campi e nos turnos matutino e noturno, o que dificultava a minha permanência e o bom desempenho do curso.

Bikodisse:O que você acha dos programas de permanência dos alunos cotistas nas universidades?

George Oliveira: Não participei de outros programas de permanência para estudantes. Por isso conheço pouco desses. O que percebo é que o número de estudantes atendidos ainda é pequeno, sem contar na falta de estrutura da UFBA. Esses problemas eram argumentos utilizados pelas pessoas que são contra o sistema de cotas. Eu sempre achei interessante a entrada dos estudantes cotistas e acredito que demandarão uma NOVA universidade, menos "burrocrática", mais próxima da nossa realidade e apta a sugerir soluções para os problemas que enfrentamos.

Bikodisse: No Encontro Nacional de Juventude Negra, você foi mediador do GT de Mercado de Trabalho. Como você avalia os resultados do ENJUNE e a participação da juventude negra atualmente?

George Oliveira: O ENJUNE ocorreu em 2007. Na preparação, participei da coordenação do Pré-Enjune na cidade de Vitória da Conquista-Ba. Um fato engraçado foi a missão que me foi designada de ir sozinho no ônibus as cidades de Guanambi, Rio de Contas e Livramento, encontrar um grupo de jovens e levá-los até Vitória da Conquista. Houve uma falha na comunicação da empresa, que fez com que o motorista entendesse que teríamos como destino Guaimbi. Fato que ocasionou um atraso e após viajar 27 horas no ônibus, dezoitos horas sozinho, conseguimos cumprir a missão de levar os 44 jovens ao encontro. Participar do ENJUNE foi outro aprendizado muito importante. Um encontro de/para/com a juventude negra, deixa-me muito orgulhoso. As propostas do ENJUNE foram pouco utilizadas pelos poderes públicos. Para que não se arquive a pauta demandada pela Juventude negra e, para cumprimento de outras ações, durante o ENJUNE, na cidade de Lauro de Freitas, foi criada uma coordenação com representantes dos Estados presentes. Desde 2009, com apoio da Fundação Kellogg, desenvolvemos uma campanha nacional contra o extermínio da juventude negra.


Bikodisse: Em janeiro de 2011, você completa 10 anos na Biko. O que isso representa para você? E o que deseja para os próximos 10 anos à instituição?

George Oliveira: Se pudesse voltar dez anos, diria ao jovem George quando ele chegou na Biko para fazer tudo como realmente fiz. Aprender com os erros, dedicar-se à Biko e sempre pensar algo inovador. Acho que isso motiva a continuidade das nossas ações. Esses quase dez anos passaram rápido. Fiz muitos amigos na Biko. Tenho carinho muito especial por essa Instituição que me acolheu e é responsável pelo que sou hoje. Não posso deixar de registrar alguns momentos especiais: a mobilização para isenção da taxa de inscrição no vestibular da Ufba em 2001; a aprovação do sistema de cotas na UFBA em 2004 e a conferência com o Filho de Steve Biko em 2007. Estamos cumprindo a missão que Steve Biko nos deixou como exemplo, ao promover a ascensão político-social da comunidade negra, através da elevação da autoestima, consciência negra e resgate de valores ancestrais. Lançamos em maio de 2010 a campanha 1000 Bikud@s Inquebrantáveis, com objetivo de recadastrar mil bikud@s egressos dos projetos do Instituto. Na comemoração dos dezoito anos fizemos um belíssimo festival de ciência, arte e cultura e temos boas expectativas para 2011. Para os próximos anos desejo atuar na Faculdade Steve Biko, que será uma instituição de ensino referência no país.




* Juliana Dias, jornalista, integrante do Instituto Mídia Étnica e editora do Portal Correio Nagô.

4 comentários:

  1. A primeiro momento insuportável, mais depois que se conhece essa figura (rsrsrsrs). George esta entre meus melhores amigos. Conheci ele na Biko quando estudei com ele em 1997, vários papos durante os finais de festa e de semana. Em uma das primeiras conversas serias que tivemos, o aconselhei para sair do trabalho para dar prioridade ao grande sonho dele em passar no vestibular de uma universidade publica, ele saiu do trabalho e acabou passando na UFBA e na UNEB. Acho que o sucesso dele hoje também é um pouco meu.
    Abraço

    Marcos Barreto (Marcão)

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  2. Valeu Marcão. Vamos marcar para botar os papos em dias (rsrsrs).

    Só uma coisa: Estudamos na Biko em 2001.

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  3. GRBO, o cara participou de quase todos os projetos da Biko, alguns como estudante, outros como assistente ou coordenador.
    Parabéns George pela sua competência e engajamento nas ações desta Insituição.

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  4. Gato Geo,

    Sempre tive muita admiração e respeito por ti.Só nunca lhe disse, porque gosto de Economia, quando o assunto é afetividade(srsrsr). Amo, mas não sei demonstrar.
    Depois de ler Bell Hooks e (re)lê sua História de resistência, resolvi dizer o quanto és valioso para mim e à nossa Luta Antiracista.
    Avante irmão!

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