quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Bikodisse Entrevista: Nairobi Aguiar




BIKO DISSE:
"Precisamos aprender a aceitar que nenhum grupo, por melhores intenções que tenha, poderá um dia entregar o poder aos vencidos, numa bandeja."



Bikodisse: Quem escolheu seu nome? Que significado tem?


Nairobi Aguiar: O meu nome foi escolhido por minha tia Ana Meire Aguiar, uma das fundadoras do bloco afro Ilê Aiyê e a primeira a inaugurar um salão de beleza afro. Meu nome foi dado na intenção de preservar e resgatar a nossa identidade africana. Toda a minha geração de linhagem paterna tem nomes africanos. Nairóbi foi um nome dado a um lago onde as pessoas se banhavam em busca da cura, com o tempo esse lago foi crescendo e se tornou um rio cujas margens foram povoadas até a constituição da cidade que hoje é a capital do Quênia, País africano.


Bikodisse: Como conheceu a Biko? Enfrentou dificuldades para cursar as aulas do pré-vestibular Steve Biko?

Nairobi Aguiar: Quando comecei a fazer Biko ainda estava no último ano do ensino médio e queria fazer vestibular. Um amigo meu chamado Araiyê me falou sobre um pré-vestibular para negros.Eu achei ótimo e disse: é isso mesmo que quero.Me escrevi e lembro que fiquei super nervosa na hora da entrevista e no momento que recebi a notícia que havia sido selecionada. Eu, minha família e minhas amigas (os) festejamos como se eu estivesse passado no vestibular ... Mas, foi bem isso que aconteceu, a Biko para mim é uma grande universidade, e eu me formei em bikuda!!! Tive muita dificuldade em minha casa, quando comecei a questionar tudo que entendia como racismo. No começo, até as pessoas de minha família me rotularam de “racista às avessas”, mas depois consegui fazer com que me entendessem. Depois enfrentei uma das dificuldades mais comuns para juventude negra; a pobreza. Não tive condições de pagar as minhas mensalidades, contudo, nem por isso fui excluída da família Biko, muito pelo contrário, fui abrigada. Muitas vezes tive dificuldade no deslocamento e precisei ir andando do IAPI até a Rua Chile, onde era localizado o prédio de aulas da Biko, em 2003. Lembro como se fosse hoje... já precisei até usar carteira de passe de deficiente, para entrar pela frente do ônibus... As aulas terminavam às 22h, era complicado voltar esse horário para casa andando, sendo eu mulher. Ainda assim, com toda dificuldade, consegui ir até o fim do curso.

Bikodisse: Qual importância do CCN da Biko para sua formação política?

Nairobi Aguiar: O CCN pra mim foi como um choque de alerta na minha condição de mulher negra e moradora de periferia. Foi nas aulas de CCN que muitas vezes ouvi Marina Bonfim e Marcus Alessandro dizerem que a universidade era o nosso lugar e que nós tínhamos a missão de ocupá-la...que deveríamos entrar pela porta da frente...sair da cozinha e ocupar todo esse espaço de poder. E foi bem isso que eu fiz.

Bikodisse: Quando e por que resolveu torna-se uma historiadora? Concluiu curso?

Nairobi Aguiar:Parafraseando Marcus Mosiah Garvey: “um homem sem o conhecimento da sua História é como uma árvore sem raiz”... De fato fui muito influenciada pelas aulas do professor Marcus Alessandro, e nessas aulas descobri que tudo que decorei em toda a minha formação educacional referente a história, era parte de uma grande mentira. Descobri que nós negras éramos descendentes de reis e rainhas, e que nossas heroínas e heróis foram invisibilizados pela historiografia “oficial”. Então pensei: meu papel como futura historiadora e professora de história é ajudar a desconstruir essa história, contar a nossa verdadeira História e contribuir para formação de pessoas comprometidas e questionadoras da realidade... Irmãs e irmãos capazes de se entender como sujeitos históricos e transformadores da realidade.



Bikodisse: Durante a graduação, você participou de uma mobilização, em prol da renegociação das mensalidades de um grupo de estudantes? Como foi essa atividade?

Nairobi Aguiar:Lembro que ainda caloura fui convidada para construir uma chapa que disputaria o Centro Acadêmico de História da UCSAL, e eu como uma boa bikuda me lembrei das aulas de CCN e disse: esse é o momento de ocupar a Universidade como um todo. E isso aconteceu... fui coordenadora financeira do Centro acadêmico Carlos Marighela, isto foi de fundamental importância no processo de matrícula de 2006.1 e 2006.2, em qual conseguimos garantir a permanência de centenas de estudantes negros e negras, inclusive alguns que estavam prestes a se formar. Incluímos no calendário da Universidade a 1° semana do novembro negro, além das atividades integradas com o Núcleo de estudantes negras e negros da UCSAL “Makota Valdina” que tanto contribuiu para minha postura política e acadêmica. Através desta movimentação de estudantes negras na Católica, chegamos a fazer vários movimentos e documentos de repúdio a postura da Reitoria, além de construir um projeto de permanência de estudantes negras que abrangia desde a comunidade das cercanias do Engenho Velho da Federação até funcionários e estudantes da academia...

Bikodisse: Qual é a sua avaliação sobre a campanha Reaja? E de que forma você tem contribuído com as ações dessa?

Nairobi Aguiar:A “Reaja!” é uma campanha pela vida e contra o Genocídio da comunidade negra. A partir desta articulação de comunidades e organizações negras aprendemos desde 2005 que era possível (e necessário!) articular esforços da comunidade negra frente ao cotidiano processo de criminalização, engendrado pela interseção do racismo, sexismo e homofobia. A campanha teve uma importância particular para minha formação política, pois através desta conheci pessoas como Lio Nzumbi, Hamilton Borges, Vilma Reis, Andreia Beatriz... E ingressei numa escola política que quebrava o silêncio frente às variadas formas que assume o nosso Genocídio. Esta escola nos lembrava o tempo todo que estávamos “por nossa própria conta”, independente de partidos políticos, ONGs e as ditas organizações de “Direitos Humanos”. Já contribuí para construção de inúmeras atividades da campanha, mas agora creio que vivemos uma conjuntura complicada...o contra-discurso defendido pela campanha tem sido criminalizado... a matança de jovens negros continua sendo justificada como ações de combate ao tráfico, a juventude negra continua superlotando as instituições prisionais e sinto que a nossa voz no momento parece estar afônica e precisamos recuperá-la para continuarmos essa luta e garantir a vida da nossa juventude.



Bikodisse: Como se deu sua participação do I ENJUNE ?


Nairobi Aguiar:Por entender a importância de reunir a juventude negra nacionalmente e poder pensar, propor e encaminhar políticas públicas para essa, participei no primeiro momento (pré-ENJUNE) do Grupo de Trabalho de educação em Vitória da Conquista. No ENJUNE propriamente dito, fui escolhida para ser relatora do Grupo de Gênero e feminismo negro.



Bikodisse: Atualmente você é assessora parlamentar do vereador Moisés Rocha (Salvador-Bahia). O que pode nos contar dessa experiência?


Nairobi Aguiar:Acho importante ocuparmos e conhecer estrutura de poder. Entendo o poder legislativo como um meio de construirmos uma outra forma de fazer política, onde verdadeiramente possamos literalmente construir projetos que se adéquem as necessidades do povo negro, para então podermos utilizar a estrutura ao nosso favor. Podemos dizer que indubitavelmente conseguimos construir um mandato verdadeiramente participativo e popular. Toda a nossa atuação é construída junto aos segmentos que representamos no poder legislativo municipal. De fato, nos consagramos como mais um dos poucos espaços em qual a comunidade negra pode ter a sua voz ecoada e as suas demandas atendidas a partir de um espaço que nós mesmos construímos. Entre as investidas que apontamos como releventes estão Projetos de lei importantes como o que determina a criação de um centro de redução de danos e de tratamento clinico-ambulatórial e psicológico para dependentes químicos nos postos municipais de saúde, criação de serviço SIMM e de um posto de recarga do SETEPS na Liberdade, disposição de método contraceptivo DiU e a contracepção de emergência sejam incluídos no plano de planejamento familiar, com irrestrição ao acesso nos postos municipais de saúde, a reserva no cemitério municipal de Salvador para sepultamento de pessoas segundo a liturgia islãmica nos cemitérios municipais, meia passagem para estudantes de Quilombos educacionais, a isenção do IPTU e da TRSD a População acima de 65 anos com declaração de pobreza reconhecida e portador de moléstia grave, monitoriamento das atividades da Guarda municipal através de micro câmeras instaladas em suas unidades móveis dentre outros. Mas para além deatuações pontuais estamos sempre nos prontificando a atender demandas que estejam em torno de nossa perspectiva política ideológica.


Bikodisse: Você considera importante votar em candidatos negr@s e comprometidos com as questões raciais?


Nairobi Aguiar:Acho que devemos não só votar, mas apoiar, multiplicar o voto entre nossa família, amigos, e outras pessoas que possamos influenciar na eleição de candidatos negros comprometidos, que tenham o seu projeto político verdadeiramente voltado aos interesses de nossa comunidade. Precisamos refletir sobre a importância do nosso voto. Qual o número de votos do colégio eleitoral hoje na Bahia? Questões como esta nos impõe a necessidade de transformar esta realidade, garantindo eleição de homens e mulheres comprometidas com a nossa história, que tenham como bandeira o combate a toda forma de discriminação, na busca da reparação do nosso povo. Por isso declaro o meu apoio ao Deputado Federal Luiz Alberto.



Bikodisse: Você tem um filho de 02 anos. Qual nome dele e qual importância de colocar nomes de origem africana? O que a mamãe Nairobi deixa como mensagem para as gerações futuras?


Nairobi Aguiar:Meu filho se chama Oniodê Nzumbi. Eu e seu pai Lio Nzumbi escolhemos esse nome porque sabemos que o nome de uma pessoa é fundamental na construção de uma identidade. Ainda assim seguindo a linha de pensamento que a minha tia teve, no resgate da nossa identidade africana. Como era de se esperar, tivemos problema para registrá-lo, porque a escrivã queria que pedíssemos autorização ao Juiz para colocar o nome de nosso filho (imagine!)... Estávamos dispostos à ir até o Ministério público, mas enfim... com a orientação da Defensoria Publica, na pessoa da Dra. Aynhamona de Brito registramos a existência de nosso filho diante dessa sociedade racista. O substantivo “Oniodê” é de origem Yorubá (Ketu), significa o “Senhor da caça, da fartura e das possibilidades”. O complemento “Nzumbi” é em Kibundo uma inferência a continuidade de uma linhagem... está relacionado a idéia de imortalidade prometida aos guerreiros durante o processo de iniciação no campo de batalha. No mundo de hoje o que nós percebemos é um distanciamento muito grande das nossas crianças com o vinculo familiar, devido a games, net, etc. então dedicamos os nossos esforços à preservação de nossas tradições, ao respeito aos mais velhos enfim... ao olhar pra frente sem deixar de resgatar o que nos foi roubado. É isso que nos ensina o ideograma Sankofa. Não tenho lição a dar. Não tenho muito apego a mensagens em tom professoral. Mas posso escutar à noite, quando o vento sopra, o apelo de nossos ancestrais clamando por justiça... Em meus sonhos eles me dizem: Lutem!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Bikodisse Entrevista: George Oliveira




BIKO DISSE: "Há uma certa verdade quando se diz que muitas pessoas podem afirmar uma mesma coisa de modos diferentes porque a encaram de ângulos diferentes."

“A Biko é responsável pelo que sou hoje!”. É com essa frase que o jovem George Oliveira credita ao Instituto Cultural Steve Biko a vitória de suas conquistas pessoais, acadêmicas e profissionais. De aluno a gestor administrativo, George completa em janeiro de 2011, 10 anos dentro da organização, que, segundo ele, deve ser referência para a vida dos jovens negr@s que buscam um novo caminho.



Bikodisse: Como começou sua história na Biko?


George Oliveira: Quando terminei o ensino fundamental (antigo primeiro grau), ingressei num curso técnico em contabilidade e pensava como a maioria dos jovens negros: ”trabalhar para ajudar em casa e ter meu próprio dinheiro para não precisa pedir dinheiros aos meus pais.” Deparei-me com um mercado altamente competitivo, já que na época os cursos técnicos formavam centenas de jovens por ano. Outro fato importante é que não tinha experiência na área, mas como teria se as empresas não davam oportunidade? Daí continuei trabalhando no restaurante que minha família tinha. Em 2000, fiz um curso de cozinheiro no SENAC e saí de lá empregado num hotel em Ondina. Usei a estratégia de fazer um curso profissionalizante que não demorasse muito, gratuito, e que me desse um retorno financeiro rápido. O que deu certo. Em menos de sete meses já ganhava o suficiente para custear meus estudos e ter bastante tranqüilidade para poder estudar e ajudar nas despesas da família. Eu já conhecia a Biko pela TV e um amigo (Danilo), me deu a ficha de inscrição para o pré-vestibular. Isso em janeiro de 2001. No outro dia fiz a inscrição e passei na seleção para o cursinho. Dos três vestibulares que fiz, fui aprovado na UNEB (administração, no campus da cidade Santo Antonio de Jesus) e na UFBA (Ciências Econômicas). Sou primeiro membro de toda minha família a ingressar na UFBA. Devo isso a Biko!

Bikodisse: Por que você escolheu essa área? Na sua escolha, você já objetivava utilizá-la para interferir na vida de jovens negros(as)?

George Oliveira: Eu vim pra Biko atraído pelo baixo preço da mensalidade e por ouvir falar que era um bom cursinho. Nem imaginava o que era consciência negra, antirracismo, direitos humanos. Foi um ano de mudanças e de muitos conflitos. Por causa do curso de cozinheiro que tinha feito no SENAC, pensei em fazer vestibular para nutrição, mas logo desisti porque química e biologia nunca foram disciplinas que gostasse. No curso técnico de contabilidade, as áreas de saúde e ciências naturais ficam para último plano. Ainda no ensino médio, tive um professor de economia chamado Nilton. Os temas das aulas ministradas por ele faziam parte do nosso cotidiano: mercado de trabalho, inflação, bancos, desemprego. Era um professor muito inteligente e tinha domínio dos mais variados assuntos. Isso me motivou a escolher o curso de economia. Tinha vontade em ajudar a mudar o mundo, mas não sabia como e não achava que ingressar na faculdade seria o melhor caminho, até porque não pensava em ter nível superior. A Biko me mostrou um caminho novo. Onde minha autoestima foi elevada, passei no vestibular, conheci a história dos povos africanos que foram trazidos para o Brasil e a luta para combater o racismo passou a fazer parte da minha vida.

Bikodisse: Seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi sobre a Biko e seus alunos. Fale sobre sua pesquisa e quais foram os resultados obtidos nela?

George Oliveira: O título do trabalho monográfico que desenvolvi foi: "Análise dos Impactos Sócio-Econômicos e Culturais das Ações do Instituto Steve Biko no Vestibular da Ufba". Enfrentei algumas dificuldades para conclusão desse trabalho, uma delas foi a falta de dados no Instituto sobre os estudantes egressos. Tive que construir um estudo inicial para os anos da pesquisa e a cada entrevista, atualizava essa tabela com novas informações sobre @s bikud@s que ingressaram na Ufba entre 2005 e 2008. Em cada conversa pude perceber que as história eram parecidas com a minha, em muitas fiquei emocionado e pude ver o brilho nos olhos dos entrevistados, quando perguntava sobre a Biko. Através da pesquisa foi possível confirmar o ótimo trabalho que desenvolvemos. Nesse trabalho, consegui fazer três coisas que não são comuns entre as monografias que conheci na Faculdade de Ciências Econômicas: A primeira delas é falar sobre questões raciais. Durante o curso aprendemos que as desigualdades são de cunho social. É tudo culpa da pobreza e os estudantes que acham que temos problemas raciais, estão equivocados. Em alguns momentos, eu olhava pela janela da faculdade e procurava os brancos pobres na Praça da Piedade e não os encontrava. Parece que o prédio da faculdade é um mundo diferente do mundo da Praça por onde todos nós passamos todos os dias. O segundo ponto diferente foi o fato de aplicar um questionário qualitativo e quantitativo, em que os egressos da Biko tiveram voz ao relatarem suas histórias. E o terceiro e último, esse muito me inquietava, é que a maioria das monografias são apresentadas numa sala da faculdade, para meia dúzia de pessoas e depois são arquivadas na biblioteca. Sugeri ao orientador, Prof. Henrique Tomé, e aos dois membros da banca que a apresentação do resultado fosse feita durante a aula do pré-vestibular da Biko. E assim foi apresentada, no dia 31 de julho de 2008, quando a Biko comemorava dezesseis anos, para os 60 estudantes da turma matutina e mais vinte convidados.

Bikodisse: Hoje você faz parte da Biko como gestor. Como foi isso?

George Oliveira:É uma longa história (risos). As aulas de CCN do pré-vestibular Steve Biko foram de extrema importância para minha formação política, cidadã e como militante. Aprendi muito e cresceu um sentimento de contribuir para que outros jovens negros ingressassem nas universidades. Após minha aprovação no vestibular da UFBA, tive que aguardar seis meses até iniciar o semestre. Nesse período iniciei trabalho voluntário na Biko. Além do sentimento de colaborar, me sentia na obrigação, já que não paguei as últimas mensalidades do cursinho, devido à opção que fiz em abandonar o emprego e dedicar-me com mais intensidade aos estudos nos meses que antecederam os vestibulares. Daí não parei mais: voluntário, estagiário, assistente financeiro, coordenador financeiro e atualmente gestor administrativo do Instituto.

Bikodisse: Você coordenou a primeira turma do OGUNTEC. Como foi essa experiência?

George Oliveira: A minha função era como assistente administrativo e financeiro. Foi o primeiro projeto que atuei como membro da coordenação. Uma valiosa experiência! Em 2002, a Biko iniciou a primeira turma do projeto Oguntec, que foi idealizado por Lázaro Cunha. Além de nós dois, Rosângela, que hoje mora na Inglaterra, fazia parte da coordenação pedagógica. Logo depois, Andréia, Janete e Cristina assumiram a coordenação pedagógica do projeto. Passamos dificuldades financeiras durante os primeiro anos. Tínhamos a ideia que iniciar o projeto contribuiria para a captação de recursos. O apoio financeiro chegou após três anos, em 2005. Mais de 200 jovens já passaram pelo projeto Oguntec.


Bikodisse: Conta como foi sua participação no programa de apoio a estudantes negr@s "Projeto Tutoria - A Cor da Bahia"?

George Oliveira: Fui selecionado para receber um auxílio financeiro para permanência na UFBA. Esse projeto contribuiu para que dezoito jovens negr@s e oriundos de escolas públicas tivessem um apoio nos três primeiros semestres do curso. Nos reuníamos às sextas-feiras para debates e palestras sobre temas ligados à questão racial. Possivelmente, se não tivesse tido esse auxilio, teria desistido do curso. Nos dois primeiros semestres, as aulas eram distribuídas em três campi e nos turnos matutino e noturno, o que dificultava a minha permanência e o bom desempenho do curso.

Bikodisse:O que você acha dos programas de permanência dos alunos cotistas nas universidades?

George Oliveira: Não participei de outros programas de permanência para estudantes. Por isso conheço pouco desses. O que percebo é que o número de estudantes atendidos ainda é pequeno, sem contar na falta de estrutura da UFBA. Esses problemas eram argumentos utilizados pelas pessoas que são contra o sistema de cotas. Eu sempre achei interessante a entrada dos estudantes cotistas e acredito que demandarão uma NOVA universidade, menos "burrocrática", mais próxima da nossa realidade e apta a sugerir soluções para os problemas que enfrentamos.

Bikodisse: No Encontro Nacional de Juventude Negra, você foi mediador do GT de Mercado de Trabalho. Como você avalia os resultados do ENJUNE e a participação da juventude negra atualmente?

George Oliveira: O ENJUNE ocorreu em 2007. Na preparação, participei da coordenação do Pré-Enjune na cidade de Vitória da Conquista-Ba. Um fato engraçado foi a missão que me foi designada de ir sozinho no ônibus as cidades de Guanambi, Rio de Contas e Livramento, encontrar um grupo de jovens e levá-los até Vitória da Conquista. Houve uma falha na comunicação da empresa, que fez com que o motorista entendesse que teríamos como destino Guaimbi. Fato que ocasionou um atraso e após viajar 27 horas no ônibus, dezoitos horas sozinho, conseguimos cumprir a missão de levar os 44 jovens ao encontro. Participar do ENJUNE foi outro aprendizado muito importante. Um encontro de/para/com a juventude negra, deixa-me muito orgulhoso. As propostas do ENJUNE foram pouco utilizadas pelos poderes públicos. Para que não se arquive a pauta demandada pela Juventude negra e, para cumprimento de outras ações, durante o ENJUNE, na cidade de Lauro de Freitas, foi criada uma coordenação com representantes dos Estados presentes. Desde 2009, com apoio da Fundação Kellogg, desenvolvemos uma campanha nacional contra o extermínio da juventude negra.


Bikodisse: Em janeiro de 2011, você completa 10 anos na Biko. O que isso representa para você? E o que deseja para os próximos 10 anos à instituição?

George Oliveira: Se pudesse voltar dez anos, diria ao jovem George quando ele chegou na Biko para fazer tudo como realmente fiz. Aprender com os erros, dedicar-se à Biko e sempre pensar algo inovador. Acho que isso motiva a continuidade das nossas ações. Esses quase dez anos passaram rápido. Fiz muitos amigos na Biko. Tenho carinho muito especial por essa Instituição que me acolheu e é responsável pelo que sou hoje. Não posso deixar de registrar alguns momentos especiais: a mobilização para isenção da taxa de inscrição no vestibular da Ufba em 2001; a aprovação do sistema de cotas na UFBA em 2004 e a conferência com o Filho de Steve Biko em 2007. Estamos cumprindo a missão que Steve Biko nos deixou como exemplo, ao promover a ascensão político-social da comunidade negra, através da elevação da autoestima, consciência negra e resgate de valores ancestrais. Lançamos em maio de 2010 a campanha 1000 Bikud@s Inquebrantáveis, com objetivo de recadastrar mil bikud@s egressos dos projetos do Instituto. Na comemoração dos dezoito anos fizemos um belíssimo festival de ciência, arte e cultura e temos boas expectativas para 2011. Para os próximos anos desejo atuar na Faculdade Steve Biko, que será uma instituição de ensino referência no país.




* Juliana Dias, jornalista, integrante do Instituto Mídia Étnica e editora do Portal Correio Nagô.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Vocábulos Caminhantes, com Juraci Tavares




Neste sábado, dia 11, às 22 horas, teremos a apresentação do show Vocábulos Caminhantes, com Juraci Carvalho.
O repertório conta com canções que levantam uma reflexão sobre a temática humana e a identidade cultural afro-brasileira, canções próprias, do cantor, compositor e poeta que já criou músicas para blocos afro como Ilê Aiyê e Malê Debalê, etc. O show conta também as participações de Márcio Pereira no violão, e Mariana Marin e Nielton Marinho na percussão.


Além da apresentação neste sábado, Juraci fará outra, no dia 25, mesmo horário e local.
Compareçam!

Onde: Casa da Mãe, Rio Vermelho (Próximo ao acarajé da Dinha)

Quando:
11 e 25 de setembro, às 22 horas.


Couvert:
R$ 7,00

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Bikodisse Entrevista: Jean Coutinho

BIKO DISSE: "A exceção não faz com que a regra seja mentirosa – apenas a confirma."


Bikodisse: Conte-nos um pouco de sua trajetória escolar até o ingresso no Curso de Matemática da UFBA (Universidade Federal da Bahia).


Jean Coutinho: Bem, eu sou oriundo de escola pública e cursei todo meu ensino fundamental II na Escola Parque, Caixa D’água. Sempre fui considerado um bom aluno, principalmente em Matemática, visto que minhas notas variavam num intervalo de 9,0 a 10,0. Durante a 8ª série, nasceu o desejo de ingressar no CEFET para cursar o ensino médio. O processo seletivo foi bastante simples, mas o pior estava por vir. No meu primeiro dia de aula de Matemática o professor resolveu marcar uma avaliação referente à revisão dos conteúdos vistos no ensino fundamental. A situação não me causou pavor, pois, até então eu era um excelente aluno em Matemática. No dia da avaliação foi que percebi o quanto vivi iludido todo aquele tempo. Eu não consegui resolver nenhuma questão da prova e tirei uma das piores notas da sala. Mas, graças a Deus e aos meus Orixás, o que deveria ter sido um trauma funcionou como uma força motriz. A partir daquele dia eu passei a ser um exímio estudante da Matemática que culminou no meu ingresso no curso de graduação em Matemática da Universidade Federal da Bahia.

Bikodisse: Qual a importância das aulas de CCN do pré-vestibular Steve Biko na elevação de sua autoestima e formação política?

Jean Coutinho: A importância inicial de CCN foi o meu despertar de um sonho chamado democracia racial brasileira. Anteriormente a este contato eu sofria determinadas ações que baixavam a minha estima, mas que eu hesitava em aliar ao racismo. Através do CCN pude conhecer os valores ancestrais do meu povo, descobrindo minha verdadeira história e resgatando a minha autoestima. Pude também me fortalecer politicamente para o embate e combate ao racismo.


Bikodisse: Quais fatores influenciaram na escolha pelo curso de matemática?

Jean Coutinho: Como citei anteriormente, o principal fator que me levou a escolher a graduação em Matemática foi o fato ocorrido no inicio da minha caminhada no CEFET.

Bikodisse: Como foi para você participar do Curso de Antirracismo e Direitos Humanos da Biko?

Jean Coutinho: Foi mais um momento de fortalecimento político racial. Além dos conhecimentos adquiridos, me transformei, de forma efetiva, num promotor de DHAR através de ações concretas. Neste curso, pude ter contato com diversos jovens de várias comunidades populares de Salvador que assim como eu, pensavam e primavam por melhorias de condições de vida para @s jovens negr@s desta cidade. Outro fato muito importante é que nos empoderamos de conhecimentos técnicos referentes à temática do curso e aprendemos linguagens que nos permitiam uma melhor aproximação com os jovens através da musica, do teatro e da poesia.

Bikodisse: Assim como Aline Nepomuceno (Bikodisse nº 03), você fez parte do projeto “Eu Negro” que foi idealizado e coordenado por jovens promotores em Antirracismo e Direitos Humanos da Biko. Qual sua opinião sobre esse projeto?

Jean Coutinho: Na verdade, o “Eu Negro” era um grupo promotor de DHAR que iniciou seus trabalhos com o desenvolvimento do projeto “A juventude e a cor da sua pele” aplicado na Escola Polivalente do Cabula. Este projeto levou para @s jovens desta escola os conhecimentos adquiridos durante o curso através de linguagens oral, escrita e artística. Os resultados obtidos foram bastante satisfatórios.

Bikodisse: O que te motivou para criar o GELMA?

Jean Coutinho: O GELMA, para quem não conhece, é o Grupo de Estudos em Lógica Matemática. O que motivou o seu inicio foi um desejo meu, compartilhado com os alunos do Oguntec: Alex Alberto, Tatiana Damasceno, Danilo de Oliveira, Rosineide Cerqueira e Erlecris Nascimento, em estudar de forma minuciosa os fundamentos da Lógica Matemática. Paralelo a esses estudos, buscamos ressignificar a matemática,desconstruindo e desmitificando os conceitos errôneos e equivocados sobre esta,enquanto ciência de difícil apropriação, principalmente pelos estudantes locados nas escolas públicas.


Bikodisse: Após um ano e meio ministrando aulas no Instituto de Matemática da UFBA, houve alguma mudança em sua forma de atuar em sala de aula?


Jean Coutinho:
Acredito que todas as experiências educacionais contribuem para nossas ações pedagógicas. No IM não foi diferente. Esse período tem contribuído para que eu renove o meu gostar por esta ciência.



Bikodisse: Você está prestes a concluir a pós-graduação em Educação Matemática na UCSAL (Universidade Católica do Salvador). Pretende prosseguir nessa área no Mestrado?


Jean Coutinho: Risos. A minha vida é marcada por mudanças. Não posso negar que tenho paixão pela Matemática Pura, mas sempre tive preocupação com o aprender de meus alunos e minhas alunas. Durante a especialização pude refletir sobre ensino-aprendizagem em Matemática. Para o mestrado, penso em aliar essas duas coisas seguindo uma tendência em Resoluções de Problemas.

Bikodisse: Você já ministrou aulas no Projeto Oguntec e atualmente é professor do Pré-vestibular Steve Biko e do Projeto Conexão Direta com o Futuro (parceria entre os Institutos Nextel e Steve Biko). De que forma sua experiência em sala de aula pode contribuir para Faculdade Steve Biko?

Jean Coutinho: A Faculdade Steve Biko é um sonho que está se tornando realidade. Acredito que toda essa bagagem acumulada será de suma importância para as minhas contribuições futuras. Na verdade, iremos apenas continuar algo que começamos. Podem ter certeza que vontade não vai faltar.